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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Guia do estudante de ensino médio para provas de Física, Química, Matemática etc.

1. Na medida do possível, evite ler o problema. Lendo o problema, você perde tempo e fica confuso.

2. Extraia os números do problema na ordem em que aparecem. Cuidado: pode haver números escritos por extenso.

3. Se com a regra 2, obtêm-se três ou mais números, o melhor palpite para atinar com a resposta é somá-los.

4. Se só houver dois números - e um deles não for muito maior do que o outro - a subtração deve dar o melhor resultado.

5. Se só houver dois números e um deles for muito maior do que o outro, opte pela divisão (se a divisão for de resto zero) ou pela multiplicação (caso a divisão não seja exata).

6. Se o problema parece requerer o uso de uma fórmula, escolha uma que tenha letras suficientes para abrigar todos os números do problema.

7. Se as regras 1-6 não funcionarem, tente um expediente de desespero. Rabisque, ao acaso, operações com os números da regra 2, de modo a preencher ao menos duas páginas. Marque com um círculo cinco ou seis respostas em cada página (dá de uma delas ser a verdadeira...). Em todo caso, você pode ganhar meio certo numa dessas por ter se esforçado.

8. Nunca gaste muito tempo resolvendo problemas. Com estas regras, você pode realizar o exame mais exigente em não mais do que 10 minutos e sem ter que pensar muito.

(fonte: http://members.tripod.com/~collatio/regeq/humor1.htm )

Retirado de: http://www.humornaciencia.com.br/miscelanea/estuda.htm

Tese do coelho

Num dia lindo e ensolarado o coelho saiu de sua toca com o notebook e
pos-se a trabalhar, bem concentrado. Pouco depois passou por ali a raposa e
viu aquele suculento coelhinho, tão distraído, que chegou a salivar.
No entanto, ela ficou intrigada com a atividade do coelho eaproximou-se, curiosa:
R: - Coelhinho, o que você esta fazendo ai TÃO concentrado?
C: - Estou redigindo a minha tese de doutorado, disse o coelho sem tirar
os olhos do trabalho.
R: - Humm .. . e qual e o tema da sua tese?
C: - Ah, é uma teoria provando que os coelhos são os verdadeiros predadores
naturais de animais como as raposas.
A raposa fica indignada:
R: - Ora! Isso é ridículo! Nos é que somos os predadores dos coelhos!
C: - Absolutamente! Venha comigo a minha toca que eu mostro a minha prova experimental.
O coelho e a raposa entram na toca. Poucos instantes depois ouve-se alguns
ruídos indecifráveis, alguns poucos grunhidos e depois silencio. Em seguida
o coelho volta, sozinho, e mais uma vez retoma os trabalhos da sua tese,
como se nada tivesse acontecido.
Meia hora depois passa um lobo. Ao ver o apetitoso coelhinho tão distraído
agradece mentalmente a cadeia alimentar por estar com o seu jantar
garantido. No entanto, o lobo também acha muito curioso um coelho
trabalhando naquela concentração toda. O lobo então resolve saber do que se
trata aquilo tudo, antes de devorar o coelhinho:
L: - Ola', jovem coelhinho. O que o faz trabalhar tão arduamente?
C: - Minha tese de doutorado, seu lobo. É uma teoria que venho desenvolvendo
ha algum tempo e que prova que nos, coelhos, somos os grandes predadores
naturais de vários animais carnívoros, inclusive dos lobos.
O lobo não se contem e farfalha de risos com a petulância do coelho.
L: - Ah, ah, ah, ah!! Coelhinho! Apetitoso coelhinho! Isto é um
despropósito. Nos, os lobos, e que somos os genuínos predadores naturais dos
coelhos. Alias, chega de conversa...
C: - Desculpe-me, mas se você quiser eu posso apresentar a minha prova
experimental. Você gostaria de acompanhar-me a minha toca?
O lobo não consegue acreditar na sua boa sorte. Ambos desaparecem toca adentro.
Alguns instantes depois ouve-se uivos desesperados, ruídos de mastigação e
.. silencio. Mais uma vez o coelho retorna sozinho, impassível, e volta ao
trabalho de redação da sua tese, como se nada tivesse acontecido...
Dentro da toca do coelho vê-se uma enorme pilha de ossos ensangüentados e
peles de diversas ex-raposas e, ao lado desta, outra pilha ainda maior de
ossos e restos mortais daquilo que um dia foram lobos. Ao centro das duas
pilhas de ossos, um enorme leão, satisfeito, bem alimentado e sonolento, a palitar os dentes.

MORAL DA HISTÓRIA:
Não importa quão absurdo e o tema de sua tese. Não importa se você não tem
o mínimo fundamento científico. Não importa se os seus experimentos nunca
cheguem a provar sua teoria. Não importa nem mesmo se suas idéias vão
contra o mais óbvio dos conceitos lógicos ... o que importa é QUEM É O SEU ORIENTADOR...

Fonte: http://www.humornaciencia.com.br/miscelanea/tesecoe.htm

Canetas BIC e extraterrestres

"(...) Um objeto tão simples e de uso tão cotidiano quanto a
caneta BIC é uma prova evidente de que os extraterrestres não só nos
visitam, mas que estão entre nós.

"Permitam-me mostrar porque. O comprimento da caneta com a tampa colocada é de 150mm, e a distância entre a Terra e o Sol é de 150 milhões de km. A relação é evidente. As canetas BIC são objetos de culto solar introduzidas no nosso planeta por alguma civilização extraterrestre. Mas isso não é tudo. O comprimento da tampa da caneta é de 58mm, e se descontamos o que mede o ganchinho (a parte que serve
para que a caneta fique pendurada), restam 35mm. Somamos as duas medidas e obtemos 93, que multiplicado por 2 dá 186, exatamente 40mm mais do que o comprimento da caneta sem a tampa (146mm). Ademais, a soma dos números do comprimento da tampa sem o ganchinho, 35mm (3+5), é 8, que é o diâmetro da caneta. Qualquer um pode ver que nestas proporções existe uma relação, e dessa relação tem que se derivar uma
mensagem, provavelmente as chaves para a utilização de todo o poder e a energia do Sol.
"E tem mais. Se somamos o comprimento da caneta sem a tampa, e o comprimento da caneta com tampa, obtemos o total de 296, que é exatamente a distância, em km, entre Recife e Natal pela rodovia. Caso alguém ainda duvide, a tecnologia necessária para construir rodovias é de origem extraterrestre (suponho que ninguém seja capaz de pensar que uns primitivos humanos poderiam desenvolver sozinhos uma tecnologia
assim), e a relação entre essa tecnologia e as viagens interplanetárias encontra-se oculta nas mágicas proporções das canetas BIC. E não apenas isso, provávelmente todos os segredos do Universo estejam nessa caneta.
Somando o resultado anterior, 296, com a medida da tampa sem o gancho, 35mm, temos 331, que multiplicado por 2 é 662, quase a Constante de Gravitação Universal salvo o correspondente fator de proporcionalidade (o valor desta constante é de 6,67 x 10-11, o erro pode ser devido bem a falata de precisão em nossas medições, ou bem a que a inteligência superior que criou estes objetos decidiu que era perigoso demais pôr conhecimento demais em nossas mãos).
Além do mais, o comprimento do gancho é de 23mm. Se somamos os números do comprimento total da caneta, 150mm (1+5+0), temos 6, que com os 23 do gancho resultam em 6,023, bastando acrescentar o fator de proporcionalidade 10-23 para obter o número de Avogadro. Com certeza poderiamos seguir estudando as características deste maravilhoso objeto vindo das estrelas, e encotraríamos assim respostas aos grandes enigmas da humanidade.
"Por nossa parte, e trás muitos anos de pesquisa e análise das canetas BIC, podemos afirmar que estamos muito perto de descobrir o segredo da eterna juventude, a Pedra do Filosofal, e na melhor das hipóteses, o porque das pessoas tenderem a se aglomerar num mesmo ponto durante uma reunião social embora tenham muito espaço a utilizar."

(fonte: http://www.strbrasil.com.br (área de humor))

Retirado de: http://www.humornaciencia.com.br/pseudo/caneta.htm

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Vida de elétron

Belmiro Wolski


Em meio a uma banda proibida em uma nuvem eletrônica, alguns elétrons conversam para passar o tempo.

- Este lugar está muito chato. Não há nada para fazer.

- Concordo - respondeu outro elétron -Isto aqui é uma prisão. Deviam acabar com essas malditas camadas de valência.

Um terceiro elétron entra na discussão:

- Pois eu logo vou sair daqui. Aposto todo dia na loteria eletrônica e pretendo ganhar um fóton altamente energético. Com ele vou dar um salto quântico e me tornar um elétron livre.

O primeiro elétron, esboçando um sorrisinho de deboche, rebate:

- Vã esperança. Você sabe bem que o tunelamento quântico é muito difícil de acontecer.

Ouvindo a conversa acirrada dos colegas, um velho elétron, segurando sua bengala, que com dificuldade mantinha seu spin alinhado, esbanjando sabedoria intervém:

- Há milhões de unidades de tempo estou confinado neste lugar. Já fiz parte do tecido de estranhas criaturas como os dinossauros. Já vi muitas coisas estranhas acontecerem. Vocês jovens, só pensam em liberdade. Pois saibam que a vida lá fora é muito difícil, muito perigosa. A qualquer momento um elétron pode ter seu fim decretado pelo choque com outras partículas ou radiações energéticas. Além do mais, a vida de um elétron livre não é permeada de glórias. Não fosse assim , eles não vivam tentando se recombinar.

Enquanto isso, em um condutor, um bando de elétrons também jogam conversa fora.

- Não estou legal hoje. Minha função de onda me diz que a probabilidade de eu estar com vocês aqui neste momento é quase zero. Entretanto eu estou aqui. Deve ser por isso que não estou me sentindo bem.

- Que nada - refuta um colega - Também senti isso quando me apaixonei por um próton em um colisor de partículas. Quase perdi minha carga elétrica por ele.

- É, mas eu não estou apaixonado. Além do mais, não costumo freqüentar esses lugares.

- Por que ? Tem medo das bizarras partículas que por lá aparecem?

- Com certeza! Um amigo meu certa vez deu de cara com um pósitron. Foi aquela explosão de energia. Emitiu um fóton e acabou reencarnando como outro elétron. Nunca mais nos vimos.

Nesse ínterim, um elétron ofegante chega em polvorosa.

- Pessoal! Estamos sendo observados. Estão tentando medir nossa posição e quantidade de movimento.

- Essa turma não aprende mesmo!- exclama o elétron líder do grupo - Todos comigo agora. Vamos usar o plano B. Quando eles tentarem medir nossa posição, todos usam sua natureza ondulatória para confundí-los. Em seguida, todos andam em zigue-zague para impossibilitar a medição da velocidade.

E assim foi feito. Novamente não se conseguiu medir com precisão a posição e velocidade, preservando intacto o princípio da incerteza de Heisenberg. Passado o susto, os elétrons se reúnem novamente para comemorar o sucesso da operação.

- Valeu pessoal! Conseguimos novamente. No entanto, não podemos baixar a retaguarda, pois com certeza eles irão tentar de novo.

Em meio a euforia, com alguns elétrons até emitindo alguns fótons, eis que de repente alguém grita:

- Oh não ! Lá vem um campo elétrico. Seremos arrastados novamente através das camadas de condução.

- Isto não é nada - retruca outro elétron - O pior será quando tivermos que realizar trabalho através da resistência que certamente encontraremos pelo caminho. Já estava até acostumado com essa boa vida.

- Animem-se colegas - grita um terceiro elétron, já sendo arrebatado pelo campo elétrico - Pelo menos estaremos viajando em baixa velocidade e não sentiremos o aumento relativístico de nossas massa com a velocidade, o que certamente nos deixaria ainda mais cansados.

E assim, milhares de milhões de elétrons foram arrastados através do condutor, cumprindo cada um sua missão de promover o curso natural do continuum espaço-tempo.

E na banda proibida, o papo continua.

- Ei ! Quer fazer o favor de sair do meu lugar? Não sabe que não é permitido dois elétrons ocuparem o mesmo nível de energia ao mesmo tempo? Está pensando que é um bóson?

- Tudo bem - desculpa-se o elétron - Mas também não precisa ofender. Conheço o princípio de exclusão de Pauli e sou férmion com muito orgulho. Aliás, odeio aquela turma do spin integral.

- É, mas bem que você gosta de um fotonzinho de vez em quando para ficar mais excitado.

- Ora, é intrínseco da natureza. Mas que eles são metidos, são. Só porque não têm massa e viajam na velocidade da luz se acham os maiorais. Nem noção do tempo eles têm. Esquecem eles que durante a fase de alta energia do universo eles eram mera parte integrante do bóson de Higgs. Já os bósons W+, W- e Z0 da força fraca, os glúons e os gravítons são gente boa. Talvez seja porque a gente não tem nenhum tipo de interação com eles.

- Não sei porque sua implicância com os fótons. Que mal lhe fizeram?

- Pois bem, vou lhe contar - falou o elétron, alinhando seu spin - Certa vez, ao receber um fóton, fiquei tão excitado que acabei tendo um relacionamento íntimo com outro elétron. Logo em seguida, ele foi embora para muito longe. Foi aí que os problemas começaram. Comecei a sentir estranhas sensações. De repente meu spin realinhava sem a minha vontade e estranhas forças se apoderavam de mim. Mais tarde, fiquei sabendo que o elétron com o qual eu me relacionara também sentira as mesmas sensações. Isto durou muito tempo e foi muito ruim. O velho elétron, que é muito sábio, me disse que isso é comum. Que nós elétrons sentimos as mesmas reações que os parceiros com os quais nos relacionamos em algum momento, mesmo que eles estejam bem distantes. Esse mal é conhecido como ação à distância. Dizem que até Einstein se recusava a acreditar nessa coisa fantasmagórica.

Enquanto os elétrons continuam seu colóquio, um enorme campo elétrico surge entre os extremos da estrutura molecular. É tão intenso que tensiona os elétrons em relação ao núcleo. Apavorados, sem saber o que está acontecendo, eles cedem à extrema força do campo elétrico, que arrebata-os.

Estavam finalmente livres.

Fonte: http://www.humornaciencia.com.br/fisica/vida-eletron.htm

Termodinâmica do Inferno

O Dr. Schambaugh, professor da escola de Engenharia Química da
Universidade de Oklahoma é reconhecido por fazer perguntas do tipo: "Por que os aviões voam?" em suas provas finais. Sua única questão na prova final de maio de 1997 para sua turma de Transmissão de Momento, Massa e Calor II foi: "O inferno é endotérmico ou exotérmico? Justifique sua resposta." Vários alunos justificaram suas opiniões baseados na Lei de Boyle ou em alguma variante da mesma. Um aluno, entretanto, escreveu o seguinte:

"Primeiramente, postulamos que se almas existem então elas devem ter
alguma massa. Se elas têm, então um mol de almas também tem massa.
Assim sendo, o estado termodinâmico do inferno é função da grandeza de
seu volume de controle e da taxa do fluxo líquido das almas que passam
pelo mesmo.
Eu acho que podemos assumir seguramente que uma vez que uma alma entra
no inferno ela nunca mais sai. Por isso não há almas saindo. Para as
almas que entram no inferno, vamos dar uma olhada nas diferentes
religiões que existem no mundo hoje em dia. Algumas dessas religiões
pregam que se você não pertencer a ela, você vai para o inferno. Como
há mais de uma religião desse tipo e as pessoas não possuem duas
religiões, podemos assumir que todas as pessoas e almas vão para o
inferno.
Daí tem-se que a integral de superfície do fluxo de almas sobre o volume
de controle do inferno é negativa o que, de acordo com o teorema da
divergência de Gauss implica dizer que a integral de volume da
divergência do fluxo de almas com relação ao volume de controle do
inferno é também negativa.
Com as taxas de natalidade e mortalidade do jeito que estão, podemos
esperar um crescimento exponencial das almas no inferno em função do
tempo.
Agora vamos olhar a taxa de mudança de volume de controle do inferno. A Lei de Boyle diz que para a temperatura e a pressão no inferno serem
invariantes ao tempo, a relação entre a massa das almas e o volume de
controle do inferno deve ser constante.
Existem então duas opções:
1 - Se o volume de controle do inferno se expandir numa taxa menor do
que a taxa de almas que entram no mesmo, então sua temperatura e
pressão vão aumentar até ele explodir.
2 - Se o volume de controle do inferno estiver se expandindo numa taxa
maior do que a da entrada de almas, então a temperatura e a pressão
irão baixar até que o inferno se congele.
Então, qual das duas?
Se nós aceitarmos o que Theresa Manyam me disse no primeiro ano: "haverá
uma noite fria no inferno antes que e eu me deite com você", e levando
em conta que ainda NÃO obtive sucesso na tentativa de me deitar com ela,
então a opção 2 não é verdadeira.
Por isso, o inferno é exotérmico."O aluno Tim Graham tirou o único A na turma.

Fonte: http://www.humornaciencia.com.br/fisica/inferno.htm

Como construir uma máquina do tempo

Para construir uma máquina do tempo, primeiro precisamos de um buraco negro, que será o coração do equipamento. Para consegui-lo, pegue uma estrela dessas bem velhinhas, a maior que você encontrar. Para tudo dar certo, é necessário que ela tenha uma massa correspondente a no mínimo 3,6 vezes a constante de Chandrasekhar. Pode ser uma supergigante vermelha, já que as azuis são mais raras. Evite as binárias , pois são estrelas muito complicadas de lidar. Além de tudo, com freqüência, têm o péssimo hábito do canibalismo. Escolhida a estrela, comprima-a com muita força para que ela queime de vez o que lhe resta de combustível. Durante essa operação, é aconselhável usar luvas térmicas e protetor solar. Afinal, a pele humana é muito sensível.

Quando pressentir que a estrela está prestes a explodir, se afaste rapidamente a uma distância segura, para não sofrer nenhum tipo de ferimento. É bom avisar os vizinhos para que não se assustem com a explosão. Óculos escuros são bem-vindos também. Após a explosão da supernova, se tudo deu certo, você terá criado um buraco negro. Espere a poeira abaixar e faça então uma inspeção no caroço que sobrou. Você provavelmente terá dificuldades em enxergar o objeto, afinal ele é totalmente negro. Assim, é aconselhável marcar bem a posição em que a estrela se encontrava antes da explosão. Porém, tome cuidado! Não se aproxime demais do objeto, pois se ele for realmente um buraco negro, você poderá ser tragado para sempre. Assim, respeite o horizonte de eventos, cujo raio de Schwarzschild deverá ser previamente calculado.

Para ter certeza que o objeto criado é realmente um buraco negro, pode-se fazer alguns testes. Por ser um buraco negro jovem, ainda não houve tempo suficiente para se formar um disco de acreção. Logo, não há emissão de raios X. Então, uma primeira estimativa pode ser feita, percorrendo o espaço em torno do objeto, sempre pelo horizonte de eventos, levando um filme fotográfico na mão. Se em algum lugar perceber que o filme foi velado, é porque raios X estão sendo emitidos. Isto é um mau sinal e indica que você conseguiu criar apenas um pulsar. Neste caso, deve-se voltar à primeira etapa e escolher uma estrela mais gordinha desta vez, repetindo todo o processo. Caso nenhuma evidência de raios X seja detectada, não fique eufórico. É preciso ainda passar pelo teste final, que consiste em verificar se o objeto está emitindo radiação Hawking. Para isto, apenas percorra o horizonte de eventos, verificando se partículas de matéria e anti-matéria estão sendo criadas. Em se confirmando isto, parabéns! Você conseguiu produzir um buraco negro.

A máquina do tempo está quase pronta. Agora, é necessário verificar se o buraco negro criado está em rotação. Ele pode ter adquirido rotação no momento da explosão, mas pode também estar estático. Como saber? Afinal, você não o enxerga e também não pode se aproximar muito para tocar sua superfície. A solução é improvisar uma corda com uma pedra amarrada na ponta. Parado sobre o horizonte de eventos, solte então a pedra em direção ao buraco negro, que será por este atraído. Vá dando corda, até sentir a pedra tocar a superfície. Neste momento, você sentirá se a pedra tocou uma superfície parada ou em movimento. Caso a superfície esteja em movimento, parabéns! A máquina do tempo está pronta. Em caso negativo, não se desespere. Para tudo se dá um jeito. É necessário botar o buraco negro para girar. Nada que meia dúzia de bombas de hidrogênio, estrategicamente dispostas não resolvam. Mas é claro que você não vai querer contaminar com radiação todo o seu bairro. Assim, temos outra solução. Lembra daquela corda? Pois é, vamos utilizá-la de novo. Só que agora, amarre uma pedra maior na sua ponta e solte-a em direção ao buraco negro. A pedra ficará “colada” junto à superfície pela ação do potente campo gravitacional do buraco negro. Em seguida, circunde o buraco negro pelo horizonte de eventos, arrastando a corda, enrolando umas quatro a cinco voltas. Em seguida, puxe a corda com força para iniciar o giro. É como dar a partida em um motor de barco. Se estiver muito pesado para puxar, chame seus vizinhos para ajudar. E não se preocupe, uma vez iniciado o movimento de rotação, pela grande inércia, o buraco negro continuará rodando para sempre. Se quiser, pode agora chamar seu buraco negro em rotação de buraco de minhoca.

Finalmente está pronta a sua máquina do tempo. Mas, antes de começar a usufruir desta maravilha, há algumas coisas que você precisa saber. Não é possível entrar na sua máquina do tempo sem algumas precauções. Ao penetrar no horizonte de eventos sem nenhuma proteção, você sentirá um puxão gravitacional em seus pés, resultado do efeito de maré. Quanto mais próximo do centro do buraco negro, maior a força de estiramento, de maneira que você sentiria um certo desconforto. E, convenhamos, ninguém gosta de viajar desconfortavelmente. Assim, vamos providenciar uma espécie de gaiola, construída com duas chapas de aço com aproximadamente um metro quadrado cada uma, com espessura de uma polegada e dezesseis cabos de aço de uma polegada de diâmetro e dois metros de comprimento. Os cabos devem unir as duas superfícies pelas bordas, formando uma espécie de jaula, exatamente da sua altura. Mas lembre-se! Os cabos de aço devem ser de boa qualidade. Só compre-os em um lugar de sua confiança, pois sua segurança dependerá deles.

Para atravessar o horizonte de eventos, entre na gaiola, pisando em uma das chapas e segurando a outra com as mãos acima da cabeça. No começo será incômodo e pesado segurar a chapa. Mas é um desconforto momentâneo. Logo em seguida, o efeito de maré se encarrega de esticar os cabos de aço, diminuindo e eliminando o esforço de segurar a chapa.

A sua viagem até o centro do buraco negro pode agora se dar sem problemas. Ao chegar lá, ajuste a data e a hora que deseja sair. Se algumas teorias estiverem corretas, você será vomitado por um buraco branco, sendo atirado no tempo desejado em algum canto do universo. Por isto, é bom levar um mapa estelar para achar o caminho de casa. A má notícia é que para voltar ao tempo presente você deverá construir um outro buraco negro. Mas, para quem já fez um, agora é moleza. E boa viagem.

Texto enviado por Belmiro Wolski

Fonte: http://www.humornaciencia.com.br/fisica/construir-maquina-tempo.html

Schrödinger e o gato

A polícia deteve ontem um famoso físico, o Dr. Erwin Schrödinger, após ter recebido denúncias sobre a possibilidade de estarem ocorrendo mau tratos a um gato no seu laboratório. A denúncia, feita por vizinhos anônimos, dizia que o famoso cientista estava propondo uma experiência na qual o pobre animal seria, repetidas vezes, submetido a um tratamento muito cruel. Segundo os denunciantes, o Dr. Schrödinger pretendia expor o gato a gás venenoso além de colocá-lo muito próximo a substâncias radioativas com o objetivo de estudar o seu comportamento quando ele estivesse meio vivo e meio morto. A polícia encontrou no laboratório do referido cientista ampla documentação em que estas repugnantes experiências eram descritas com muito detalhe e seriam enviadas para publicação no exterior. Um gato que passava pelo local foi recolhido para exames médicos e, embora os maus tratos não tenham sido confirmados, os policiais decidiram abrir inquérito contra o famoso físico.

O caso teve ampla repercussão internacional e várias ONGs manifestaram o seu repúdio ao ocorrido declarando que "experiências cruéis como estas não podem ser toleradas na ciência". O físico, embora tenha se defendido com veemência, alegando que estava desenvolvendo uma nova teoria sobre uma tal de "mecânica quântica", não conseguiu convencer o delegado. Após consulta a vários mecânicos de automóveis na vizinhança da delegacia policial, que declararam nunca ter ouvido falar desta "mecânica quântica", o doutor delegado preferiu acusar o físico de intenção criminosa e multá-lo em uma grande quantia tendo em vista o seu possível tratamento cruel com o pobre bichinho.

Para satisfação de todos, o gato do Dr. Schrödinger está passando muito bem mas a sociedade de proteção aos animais decidiu proibir que este cientista tenha novos animais em seu laboratório e colocou o adorável gatinho à disposição de quem estiver interessado, para adoção imediata.





Fonte: http://www.on.br/site_brincando/piadas/piadas_3.html


Observação: Para entender o humor deste texto é necessário saber sobre o ´gedanken experiment´ de Erwin Schrödinger. Para maiores informações leia
http://www.explicacoes.com/php_nuke/html/article.php?sid=960

tirado de: http://www.humornaciencia.com.br/fisica/gatocaixa.htm

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO FÍSICO

Consideramos esses postulados como intuitivamente óbvios, que todo físico nasce igual, em primeira aproximação, e é dotado, pelo criador, de certos privilégios discretos, entre eles, uma vida média de repouso, n graus de liberdade e os seguintes direitos, que são invariantes sob todas as transformações:

I. Aproximar todos os problemas a casos ideais.

II. Usar cálculos de ordem de grandeza sempre que necessários (isto é, sempre que se der bem com eles).

III. Usar o rigoroso método da "acochambração" para resolver problemas mais difíceis que a soma de inteiros reais positivos.

IV. Desprezar todas as funções que divergem considerando-as "detestáveis" e "não-físicas".

V. Invocar o princípio da incerteza sempre que confrontado com matemáticos, químicos, engenheiros, psicólogos, dramaturgos e andere schweinhund.

VI. Usar "notações bastardas" onde a matemática convencional não funcionar.

VII. Justificar um raciocício furado com o argumento de que dá a resposta certa.

VIII. Escolher espertamente condições iniciais convenientes, usando princípio geral da trivialidade.

IX. Usar argumentos plausíveis no lugar de provas e, a partir daí, referir-se a esses argumentos como provas.

X. Considerar ato de fé qualquer princípio que pareça correto mas não possa ser provado.



(fonte: http://www.fisica.ufc.br/ogrilo7.htm)

tirado de: http://www.humornaciencia.com.br/fisica/decla.htm

sábado, 15 de maio de 2010

A Física Quântica seria necessária para explicar a Consciência?

1.Introdução

Seria a consciência um fenômeno quântico? Por mais forçada que tal especulação possa parecer, ela tem sido seriamente considerada por vários pesquisadores nos últimos cinco anos.A motivação para essa abordagem, grosso modo, é que como a consciência é uma coisa misteriosa, e os fenômenos quânticos também o são, então esses dois mistérios poderiam estar ligados. O presente trabalho, ainda em fase preliminar, é um estudo dos diferentes argumentos utilizados para defender tal ligação, e das diferentes linhas de pesquisa em neurociência que fazem uso de considerações da física quântica.Veremos que a questão de se a consciência é um fenômeno quântico é basicamente uma questão empírica, ainda em aberto, mas que uma formulação precisa desta questão requer esclarecimentos filosóficos relativos às definições de "consciência" e de "fenômeno quântico".

2.A quem interessa tal Tese?

Vamos nos colocar dentro do contexto do materialismo, e supor que estados e processos conscientes são idênticos a certos estados e processos fisiológicos.Neste contexto, existe um debate em psicologia que gira em torno do funciona­lismo ("strong AI"), que defende que a mente depende apenas da estrutura dos processos cerebrais, e não de sua realização física. Assim, em princípio, um computador poderia ter consciência, ou mesmo uma sociedade poderia ter uma consciência própria, desde que os elementos destes sistemas satisfizessem certas propriedades estruturais, ainda não conhecidas pela ciência. A mente seria como um programa de computador.
A tese de que o problema mente-corpo só poderá ser esclarecido quando for levado em conta a natureza quântica do cérebro tem sido usada como um argumento anti-funcionalista. Esta posição defende que existe algo nos detalhes dos processos fisiológicos da mente que é essencial para a consciência. Talvez esse "algo" seja um processo quântico! Se isto for verdade, então computadores feitos com chips convencionais e sociedades humanas não poderão ter consciência.

3. O que é a Consciência?

Boa pergunta!Não sei bem! Espero aprender nesta conferência!
Mas tem algo a ver com eu (ou você) estar aqui agora, tendo acesso a impressões sensoriais que possuem uma qualidade fenomênica (os "qualia", a qualidade branca neste branco, etc.), tendo acesso a memórias que são sempre relativas às experiências minhas, tendo desejos e pensamentos que parecem ter sempre uma intencionalidade, tendo uma noção de unidade de minha consciência, tendo uma noção de tempo e um terrível pavor ao representar adequadamente a minha morte.

4. O que é um Fenômeno Quântico?

Um ponto filosofico crucial a ser esclarecido se refere ao significado da expressão "fenômeno quântico", em oposição a um fenômeno "clássico". A física quântica é a teoria científica que descreve os objetos microscópicos, como átomos, e sua interação com a radiação (luz, etc.). Como ela é uma teoria muito bem sucedida, pode-se dizer que qualquer fenômeno microscópico é um fenômeno quântico. Assim, como nosso cérebro é constituído de entidades microscópicas, num sentido trivial nosso cérebro é quântico, assim como nossa consciência (supondo o materialismo).
Mas não é essa a nossa pergunta. Queremos saber se a física quântica é necessária para explicar a consciência, ou seja, se a física clássica é incapaz de explicá-la. Mas afinal, o que é a teoria quântica? Em poucas palavras, podemos dizer que o que a física quântica tem de essencial é que ela é uma teoria que atribui propriedades ondulatórias para partículas individuais. Na década de 1920, comprovou-se que toda radiação é absorvida em quantidades discretas de energia ou massa, chamados de "quanta", e que todas as partículas ou quanta podem exibir propriedades ondulatórias, como interferência, difração, etc. Esta constatação é uma versão fraca do princípio da "dualidade onda-partícula".
A física clássica incluia a mecânica de partículas e a mecânica ondula­tória, mas cada qual tinha um domínio de aplicação exclusivo. Partículas seguiam trajetórias bem definidas e não se dividiam em espelhos semi-refletores. Ondas se espalhavam pelo espaço, se dividiam, interferiam consigo mesmas, eram limitadas pelo princípio de incerteza (por exemplo, um pulso de luz emitido em um intervalo de tempo curto não podia ter uma freqüência bem definida), sofriam tunela­mento, e exibiam flutuações em sua intensidade. A física quântica é justamente a teoria que atribui todas essas propriedades ondulatórias a partículas individuais.
Considere agora um determinado tipo de objeto, como um elétron, e o conjunto de suas manifestações (ou seja, os diferentes tipos de experimentos que podem ser feitas com esse elétron). Em geral, a cada um destes experimentos pode-se atribuir ou uma descrição corpuscular, ou uma ondulatória (esta é uma versão forte da dualidade onda-partícula, conhecida como complementaridade, mas que parece ter exceções). Se este conjunto de manifestações do objeto contiver os dois tipos de comportamento (onda e partícula), então somos forçados a dizer que só a física quântica é capaz de descrever o objeto.Caso isso não aconteça (ou seja, todas as manifestações são de apenas um tipo), dizemos que o objeto se comporta classicamente.
Considere a absorção de luz pela retina. A física quântica é necessária para descrever este processo?Bem, sabe-se que certos animais são sensíveis a apenas um fóton, e assim este processo é corpuscular.No entanto, acredita-se que nenhuma das propriedades ondulatórias da luz são relevantes para o processo de absorção em si. As propriedades ondulatórias afetam a distribuição espacial dos fótons, mas a absorção em cada célula da retina independe do que está acontecendo em outras células (ou estarei enganado?).Assim, a física clássica seria suficiente para explicar a absorção de luz pela retina.
Existiria algum processo em nosso cérebro, essencial para a nossa consciência, que só pode ser explicado pela física quântica?

5.O Papel da Consciência na Física Quântica

A ligação entre consciência e física quântica foi estabelecida na década de 1930, mas em um sentido diferente do que estamos examinando aqui.Para expli­car como que uma frente de onda espalhada podia ser detectada em uma chapa foto­gráfica como uma trajetória quase linear, elaborou-se a noção de um colapso do pacote de onda que seria causado pela ato da observação (Heisenberg, 1927).Ora, qual é a essência de tal ato?Para alguns físicos importantes da época, era a presença de uma ser consciente.A consciência humana seria causadora de uma transição quântica! Após a Guerra, o consenso passou a ser que uma observação se caracterizaria pela presença de um aparelho macroscópico de medição, elimi­nando assim o papel legislador da consciência (ver Pessoa, 1992). Ainda hoje, porém, alguns físicos e filósofos respeitáveis aderem à tese subjetivista.

6. O Papel da Física Quântica na Consciência

A tese que pretendemos examinar com maior cuidado não é o papel da consciência na teoria quântica, mas o papel da teoria quântica nas teorias materialistas da consciência. Apresentarei aqui os principais argumentos em favor da tese de que a física quântica é essencial para a consciência.

a) O cérebro seria um "computador quântico". Este conceito foi bastante trabalhado pelo físico David Deutsch (ver Deutsch, 1992), que mostrou que tal computador seria mais eficiente do que um computador digital.Por seleção natural, essa vantagem computacional poderia ter favorecido um cérebro que fosse um computador quântico ( Lockwood, 1989, pp. 251-2). O problema com este argumento é que o cérebro é muito quente para que tal computação quântica pudesse ocorrer.

b) O cérebro computaria funções não-recursivas. Computadores clássicos e quânticos só podem computar funções recursivas, mas o pensamento humano (por exemplo, a intuição matemática) extrapolaria esta limitação. Uma solução inovadora ao problema do colapso na mecânica quântica talvez solucionasse também esse problema da consciência (Penrose, 1989, pp. 403-4). O problema aqui é que não se mostrou rigorosa­mente que o pensamento humano é capaz de computar funções não-recursivas.

c) Um fenômeno quântico semelhante à "condensação de Bose" poderia ocorrer no cérebro ( Marshall, 1989).Este fenômeno é observado a baixas temperaturas, quando um grande número de partículas se comporta identicamente. Fröhlich (1968) propôs um modelo biológico deste fenômeno de "coerência" à temperatura ambiente, envolvendo moléculas dipolares.Alguns pesquisadores afirmam ter encontrado evidência de que tal fenômeno ocorreria no cérebro (ver Hameroff et al., 1993, p. 340). Preciso estudar esta questão um pouco mais a fundo para poder avaliar sua plausabilidade.

d) O cérebro seria regido por leis análogas às da mecânica quântica. Existe uma abordagem em neurociência que supõe que a convencional dinâmica do neurônio e da sinapse não é fundamental, e que as funções cerebrais podem ser descritas por um "campo dendrítico" que obedeceria a equações da teoria quântica de campos (Stuart et al., 1979; Jibu & Yasue, 1991).Esta abordagem matemática foi inspirada na proposta de Karl Pribram, nos anos 60, de um modelo "holonômico" para o cérebro (ver Pribram, 1991).Conforme notado por Werbos (1993, pp. 301-3), o fato de leis análogas às da mecânica quântica descreverem funções cerebrais não implica que tais funções constituam um fenômeno quântico. Além disso, em tais modelos não se introduzem medições que causam colapsos, o que sugere que a descrição destes autores é meramente ondulatória.

e) A liberação de neurotransmissores é um processo probabilístico, que seria descrito apenas pela física quântica. Tal liberação, chamada de "exocitose", ocorreria com uma probabilidade relativamente baixa (de cada 5 impulsos nervosos chegando à vesícula sináptica de células piramidais do neocórtex, apenas 1 liberaria o neurotransmissor).De acordo com John Eccles, a mente (que em sua visão dualista existe independentemente do cérebro) pode alterar levemente essas probabilidades de exocitose, o que constituiria um mecanismo para a ação da mente sobre o cérebro.Rejeitamos aqui, por motivos filosóficos, esse dualismo de Eccles. Agora, se ele estiver correto e a exocitose puder ser descrita pela teoria quântica (Beck & Eccles , 1992), faltaria mostrar que a mecânica quântica é necessária para decrever este fenômeno, conforme explicado na seção 4, e de que forma este fenômeno está ligado com a emergência da consciência.

f) A nível subneuronal ocorreria processamento de informação. Nos anos 70 descobriu-se que as células possuem uma delicada estrutura formada por "micro­túbulos" de proteína, formando um "citoesqueleto". Hameroff et al. (1993, p. 330) citam alguma evidência experimental de que o citoesqueleto tem de fato uma função cognitiva, ligada à memória. Como tais microtúbulos são cilindros com diâmetro de apenas 25 nanometros (10-9 m), é provável que eles só possam ser adequadamente descritos pela física quântica. Resta saber se de fato o cito­esqueleto tem uma função cognitiva, além de sua função estrutural e de trans­porte. Em um recente relato irônico a respeito deste programa de pesquisa (Horgan, 1994, p. 77), anuncia-se que Penrose aderiu a ele.

g) A mecânica quântica explicaria fenômenos de percepção extrasensorial.Alguns autores partem do princípio de que a consciência pode exercer influência direta sobre processos naturais, e procuram mostrar como um modelo quântico da consciência daria conta deste e de outros tipos de fenômenos (Jahn & Dunne, 1986). Marshall (citado por Horgan , 1994, p. 78) defende que a performance mental de seres humanos é alterada quando um eletroencefalograma é feito, já que este aparelho de medição estaria provocando colapsos no cérebro. Não creio que tais propostas devam ser levadas a sério em nossa discussão.

8. Conclusão

Não existe evidência concreta, ainda, de que a física quântica seja necessária para explicar a consciência. O modelo de Fröhlich e a hipótese de que os microtúbulos tenham uma função cognitiva são bastante interessantes, e merecem ser investigados mais a fundo. Mas quanto às declarações de que tais hipóteses foram confirmadas, conhecemos bem a dinâmica da ciência para não nos deixarmos levar facilmente por tais promessas. Este é um campo em que os pré-julgamentos filosóficos possuem bastante peso.E mesmo que tais hipóteses se confirmem, permaneceria a questão de se a consciência, a ser caracterizada de maneira precisa, faria uso de maneira essencial das características quânticas dos processos cerebrais. Como saldo positivo, espero ter definido de maneira adequada um critério para caracterizar um fenômeno quântico (seção 4), que preciso ainda estender de maneira precisa para a condensação de Bose.

Osvaldo Pessoa Jr. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/quantico.htm

O Que É Fisica Quantica

A Mecânica Quântica ou Física Quantica é a parte da física que estuda o estado de sistemas onde não valem os conceitos usuais na mecânica clássica tais como os de trajetória e o de distingüibilidade de partículas idênticas -; aliás, os dois conceitos são intimamente relacionados; usualmente estuda o movimento das partículas muito pequenas, ou seja, em nível microscópico. Entretanto, efeitos há que ocorrem a nível macroscópico -;ver adiante. O conceito de partícula -;muito pequena , mesmo que de limites muito imprecisos, relaciona-se com as dimensões nas quais começam a ficar evidentes efeitos como a impossibilidade de conhecer com infinita acuidade e ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula - veja Princípio da incerteza de Heisenberg, entre outros. Os ditos efeitos chamam-se - ; efeitos quânticos.
Assim, a Mecânica Quântica é a que descreve o movimento de sistemas nos quais os efeitos quânticos são relevantes. Experimentos mostram que estes são relevantes em escalas de até 1000 átomos. Entretanto, existem situações onde mesmo em escalas macroscópicas, os efeitos quânticos se fazem sentir de forma manifestamente clara, como nos casos da supercondutividade e da superfluidez. A escala que regula em geral a manifestação dos efeitos quânticos é o raio de Bohr.
Conclusões da Mecânica Quântica
As conclusões mais importantes desta teoria são:


Em estados ligados, como o elétron girando ao redor de um átomo, a energia não se troca de modo contínuo, mas sim em de modo discreto - descontínuo, em transições cujas energias podem ou não ser iguais umas às outras. A idéia de que estados ligados têm níveis de energias discretas é devida a Max Planck.

O de ser impossível atribuir ao mesmo tempo uma posição e uma velocidade exatas a uma partícula, renunciando-se assim ao conceito de trajetória, vital em Mecânica Clássica. Ao invés da trajetória, o movimento de partículas em Mecânica Quântica é descrito por meio de uma função de onda, que é uma função da posição da partícula e do tempo. A função de onda é interpretada por Max Born como uma medida da probabilidade de se encontrar a partícula em determinada posição e em determinado tempo. Esta interpretação é a mais aceita pelos físicos hoje, no conjunto de atribuições da Mecânica Quântica regulamentados pela Escola de Copenhagen..
Apesar de ter sua estrutura formal basicamente pronta desde a década de 1930, a interpretação da Mecânica Quântica foi objeto de estudos por várias décadas. O principal é o problema da medida em Mecânica Quântica e sua relação com a não-localidade e causalidade. Já em 1935, Einstein, Podolski e Rosen publicaram seu Gedankenexperiment, mostrando uma aparente contradição entre localidade e o processo de Medida em Mecânica Quântica. Nos anos 60 J. S. Bell publicou uma série de relações que seriam respeitadas caso a localidade ? ou pelo menos como a entendemos classicamente ? ainda persistisse em sistemas quânticos. Tais condições são chamadas desigualdades de Bell e foram testadas experimentalmente por A. Aspect, P. Grangier, J. Dalibard em favor da Mecânica Quântica. Como seria de se esperar, tal interpretação ainda causa desconforto entre vários físicos, mas a grande parte da comunidade aceita que estados correlacionados podem violar causalidade desta forma.
Tal revisão radical do nosso conceito de realidade foi fundamentada em explicações teóricas brilhantes para resultados experimentais que não podiam ser descritos pela teoria Clássica, que incluem:

Espectro de Radiação do Corpo negro, resolvido por Max Planck com a proposição da quantização da energia.
Explicação do experimento da dupla fenda, no qual eléctrons produzem um padrão de interferência condizente com o comportamento ondular.
Explicação por Albert Einstein do efeito fotoelétrico descoberto por Heinrich Rudolf Hertz, onde propõe que a luz também se propaga em quanta (pacotes de energia definida), os chamados fótons.
O Efeito Compton, no qual se propõe que os fótons podem se comportar como partículas, quando sua enegia for grande o bastante.
O desenvolvimento formal da teoria foi obra de esforços conjuntos de muitos físicos e matemáticos da época como Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg, Einstein.

Carlos Iafelice Junior.http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_845.html

Filosofia e ciências da natureza: alguns elementos históricos

Este texto pretende oferecer ao aluno uma panorâmica geral e introdutória do modo como os filósofos têm encarado as ciências da natureza ao longo da história, e apresentar simultaneamente alguns elementos básicos da própria história do desenvolvimento científico. Nestas páginas encontram-se alguns elementos da história da ciência, mas, sobretudo, da história da filosofia da ciência, assim como elementos de história das ideias em geral e de história da filosofia em particular; isto é, trata-se em grande parte de uma panorâmica do modo como os filósofos têm encarado a ciência ao longo do tempo, e não tanto uma descrição, ainda que geral, do desenvolvimento da própria ciência. Os desenvolvimentos científicos surgem apenas como pano de fundo. Procurar ver como ao longo da história a pergunta filosófica «O que é a ciência da natureza?» seria respondida, pareceu-me uma boa maneira de orientar este texto. Estas páginas incluem, como ilustração das ideias aqui apresentadas, algumas passagens dos filósofos e cientistas referidos. Apesar de essas passagens serem escolhidas a pensar na facilidade de compreensão por parte dos alunos, todo o texto pode ser lido passando por cima delas sem que algo de essencial se perca.

Apesar de o termo "ciência" ser muito abrangente, neste texto iremos sobretudo centrar a nossa atenção nas ciências da natureza. Pelo facto de as ciências da natureza, e em particular a física e a astronomia, se terem desenvolvido mais cedo do que as ciências sociais, exerceram e continuam a exercer uma influência assinalável no modo como os filósofos encaram a ciência — acontecendo até muitas vezes que eles usam o termo "ciência" como abreviatura de "física". Ao longo do texto irei muitas vezes usar o termo «ciência» para falar das ciências da natureza; quando falar das ciências formais como a geometria ou a matemática em geral, será suficientemente claro que já não estou a falar de ciências da natureza.

1. Os gregos

Mitos e deuses

Quando surgiu a ciência? Esta parece ser uma pergunta simples. Contudo, tem frequentemente dado origem a longas discussões. Discussões que acabam quase sempre por se deslocar para uma outra pergunta mais básica: o que é a ciência? Mais básica, pois a resposta para aquela depende da solução encontrada para esta.

Ora, o termo "ciência" nem sempre foi entendido da mesma maneira e ainda hoje as opiniões acerca do que deve ou não ser considerado como científico continuam divididas. Uma definição rigorosa e consensual de ciência é, pois, algo difícil de estabelecer.

Mas isso não nos deve impedir de avançar. Assim, a melhor maneira de começar talvez seja a de correr o risco de propor uma definição de ciência que, apesar de imprecisa, nos possa servir como ponto de partida, mesmo que venha depois a ser corrigida: a ciência da natureza é o estudo sistemático e racional, baseado em métodos adequados de prova, da natureza e do seu funcionamento.

Muitas das perguntas mais elementares que os seres humanos colocam a si próprios desde que são seres humanos são perguntas que podem dar origem a estudos científicos. Eis alguns exemplos dessas perguntas: Porque é que chove? O que é o trovão? De onde vem o relâmpago? Por que razão crescem as ervas? Por que razão existem os montes? Por que razão tenho fome? Por que razão morrem os meus semelhantes? Porque é que cai a noite e a seguir vem o dia de novo? O que são as estrelas? Por que razão voam os pássaros?...

Mas estas perguntas podem dar origem também a outro tipo de respostas que não as científicas; podem dar origem a respostas de carácter religioso e mítico. Essas respostas têm a característica de não se basearem nos métodos mais adequados e de não serem o produto de estudos sistemáticos. Uma resposta mítica ou religiosa apela à vontade de um Deus ou de deuses e conta uma história da origem do universo. Essa resposta não se baseia em estudos sistemáticos da natureza, mas antes na observação diária não sistemática; e não são estudos racionais dado que não encorajam a crítica, mas antes a aceitação religiosa. Isto não quer dizer que as respostas míticas e religiosas não tivessem qualquer valor. Por exemplo, é óbvio que numa altura em que a ciência, com os seus métodos racionais de prova, ainda não estava desenvolvida, as explicações míticas e religiosas eram pelo menos uma maneira de responder à curiosidade natural dos seres humanos. Além disso, as explicações míticas e religiosas de um dado povo dão a esse povo uma importância central na ordem das coisas. E têm ainda outra característica importante: essas explicações constituem muitas vezes códigos de conduta moral, determinando de uma forma integrada com a origem mítica do universo, o que se deve e o que não se deve fazer.

As explicações míticas e religiosas foram antepassados da ciência moderna, não por darem importância central aos seres humanos na ordem das coisas nem por determinarem códigos de conduta baseados na ordem cósmica, mas por ao mesmo tempo oferecerem explicações de alguns fenómenos naturais — apesar de essas explicações não se basearem em métodos adequados de prova nem na observação sistemática da natureza.

Os primeiros filósofos-cientistas

A ciência da natureza é diferente do mito e da religião. A ciência baseia-se em observações sistemáticas, é um estudo racional e usa métodos adequados de prova. Como é natural, os primeiros passos em direcção à ciência não revelam ainda todas as características da ciência — revelam apenas algumas delas. O primeiro, e tímido, passo na direcção da ciência só foi dado no início do séc. VI a. C. na cidade grega de Mileto, por aquele que é apontado como o primeiro filósofo, Tales de Mileto.

Tales de Mileto acreditava em deuses. Só que a resposta que ele dá à pergunta acerca da origem ou princípio de tudo o que vemos no mundo já não é mítica; já não se baseia em entidades sobrenaturais.. Dizia Tales que o princípio de todas as coisas era algo que por todos podia ser directamente observado na natureza: a água. Tendo observado que a água tudo fazia crescer e viver, enquanto que a sua falta levava os seres a secar e morrer; tendo, talvez, reparado que na natureza há mais água do que terra e que grande parte do próprio corpo humano era formado por água; verificando que esse elemento se podia encontrar em diferentes estados, o líquido, o sólido e o gasoso, foi assim levado a concluir que tudo surgiu a partir da água. A explicação de Tales ainda não é científica; mas também já não é inteiramente mítica. Têm características da ciência e características do mito. Não é baseada na observação sistemática do mundo, mas também não se baseia em entidades míticas. Não recorre a métodos adequados de prova, mas também não recorre à autoridade religiosa e mítica.

Este último aspecto é muito importante. Consta que Tales desafiava aqueles que conheciam as suas ideias a demonstrar que não tinha razão. Esta é uma característica da ciência — e da filosofia — que se opõe ao mito e à religião. A vontade de discutir racionalmente ideias, ao invés de nos limitarmos a aceitá-las, é um elemento sem o qual a ciência não se poderia ter desenvolvido. Uma das vantagens da discussão aberta de ideias é que os defeitos das nossas ideias são criticamente examinados e trazidos à luz do dia por outras pessoas. Foi talvez por isso que outros pensadores da mesma região surgiram apresentando diferentes teorias e, deste modo, se iniciou uma tradição que se foi gradualmente afastando das concepções míticas anteriores. Assim apareceram na Grécia, entre outros, Anaximandro (séc. VI a. C.), Heraclito (séc. VI/V a. C.), Pitágoras (séc. VI a. C.), Parménides (séc. VI/V a. C.) e Demócrito (séc. V/IV a. C.). Este último viria mesmo a defender que tudo quanto existia era composto de pequeníssimas partículas indivisíveis (atomoi), unidas entre si de diferentes formas, e que na realidade nada mais havia do que átomos e o vazio onde eles se deslocavam. Foi o primeiro grande filósofo naturalista, que achava que não havia deuses e que a natureza tinha as suas próprias leis.

As ciências da natureza estavam num estado primitivo; pouco mais eram do que especulações baseadas na observação avulsa. Mas as ciências matemáticas começaram também desde cedo a desenvolver-se, e apresentaram desde o início muitos mais resultados do que as ciências da natureza. Pitágoras, por exemplo, descobriu vários resultados matemáticos importantes, e o nome dele ainda está associado ao teorema de Pitágoras da geometria (apesar de não se saber se terá sido realmente ele a descobrir este teorema, se um discípulo da sua escola). A escola pitagórica era profundamente mística; atribuía aos números e às suas relações um significado mítico e religioso. Mas os seus estudos matemáticos eram de valor, o que mostra mais uma vez como a ciência e a religião estavam misturadas nos primeiros tempos. Afinal, a sede de conhecimento que leva os seres humanos a fazer ciências, religiões, artes e filosofia é a mesma.

O maior desenvolvimento das ciências matemáticas teve repercussões importantíssimas para o desenvolvimento da ciência, para a filosofia da ciência e para a filosofia em geral. Os resultados matemáticos tinham uma característica muito diferente das especulações sobre a origem do universo e de todas as coisas. Ao passo que havia várias ideias diferentes quanto à origem das coisas, os resultados matemáticos eram consensuais. Eram consensuais porque os métodos de prova usados eram poderosos; dada a demonstração matemática de um resultado, era praticamente impossível recusá-lo.

A matemática tornou-se assim um modelo da certeza. Mas este modelo não é apropriado para o estudo da natureza, pois a natureza depende crucialmente da observação. Além disso, não se pode aplicar a matemática à natureza se não tivermos à nossa disposição instrumentos precisos de quantificação, como o termómetro ou o cronómetro. Assim, o sentimento de alguns filósofos era (e por vezes ainda é) o de que só o domínio da matemática era verdadeiramente «científico» e que só a matemática podia oferecer realmente a certeza. Só Galileu e Newton, já no século XVII, viriam a mostrar que a matemática se pode aplicar à natureza e que as ciências da natureza têm de se basear noutro tipo de observação diferente da observação que até aí se fazia.

Platão e Aristóteles

Uma das preocupações de Platão (428-348 a.C.) foi distinguir a verdadeira ciência e o verdadeiro conhecimento da mera opinião ou crença. Um dos problemas que atormentaram os filósofos gregos em geral e Platão em particular, foi o problema do fluxo da natureza. Na natureza verificamos que muitas coisas estão em mudança constante: as estações sucedem-se, as sementes transformam-se em árvores, os planetas e estrelas percorrem o céu nocturno. Mas como poderemos nós ter a esperança de conseguir explicar os fenómenos naturais, se eles estão em permanente mudança? Para os gregos, isto representava um problema por alguns dos motivos que já vimos: não tinham instrumentos para medir de forma exacta, por exemplo, a velocidade; e assim a matemática, que constituía o modelo básico de pensamento científico, era inútil para estudar a natureza. A matemática parecia aplicar-se apenas a domínios estáticos e eternos. Como o mundo estava em constante mudança, parecia a alguns filósofos que o mundo não poderia jamais ser objecto de conhecimento científico.

Era essa a ideia de Platão. Este filósofo recusava a realidade do mundo dos sentidos; toda a mudança que observamos diariamente era apenas ilusão, reflexos pálidos de uma realidade supra-sensível que poderia ser verdadeiramente conhecida. E a geometria, o ramo da matemática mais desenvolvida do seu tempo, era a ciência fundamental para conhecer o domínio supra-sensível. Para Platão, só podíamos ter conhecimento do domínio supra-sensível, a que ele chamou o domínio das Ideias ou Formas; do mundo sensível não podíamos senão ter opiniões, também elas em constante fluxo. O domínio do sensível era, para Platão, uma forma de opinião inferior e instável que nunca nos levaria à verdade universal, eterna e imutável, já que se a mesma coisa fosse verdadeira num momento e falsa no momento seguinte, então não poderia ser conhecida.

Podemos ver a distinção entre os dois mundos, que levaria à distinção entre ciência e opinião, na seguinte passagem de um dos seus diálogos:
Há que admitir que existe uma primeira realidade: o que tem uma forma imutável, o que de nenhuma maneira nasce nem perece, o que jamais admite em si qualquer elemento vindo de outra parte, o que nunca se transforma noutra coisa, o que não é perceptível nem pela vista, nem por outro sentido, o que só o entendimento pode contemplar. Há uma segunda realidade que tem o mesmo nome: é semelhante à primeira, mas é acessível à experiência dos sentidos, é engendrada, está sempre em movimento, nasce num lugar determinado para em seguida desaparecer; é acessível à opinião unida à sensação.

Platão, Timeu
Conhecer as ideias seria o mesmo que conhecer a verdade última, já que elas seriam os modelos ou causas dos objectos sensíveis. Como tal, só se poderia falar de ciência acerca das ideias, sendo que estas não residiam nas coisas. Procurar a razão de ser das coisas obrigava a ir para além delas; obrigava a ascender a uma outra realidade distinta e superior. A ciência, para Platão não era, pois, uma ciência acerca dos objectos que nos rodeiam e que podemos observar com os nossos sentidos. Neste aspecto fundamental é que o principal discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a.C.), viria a discordar do mestre.

Aristóteles não aceitou que a realidade captada pelos nossos sentidos fosse apenas um mar de aparências sobre as quais nenhum verdadeiro conhecimento se pudesse constituir. Bem pelo contrário, para ele não havia conhecimento sem a intervenção dos sentidos. A ciência, para ele, teria de ser o conhecimento dos objectos da natureza que nos rodeia.

É verdade que os sentidos só nos davam o particular e Aristóteles pensava que não há ciência senão do universal. Mas, para ele, e ao contrário do seu mestre, o universal inferia-se do particular. Aristóteles achava que, para se chegar ao conhecimento, nos devíamos virar para a única realidade existente, aquela que os sentidos nos apresentavam.

Sendo assim, o que tínhamos de fazer consistia em partir da observação dos casos particulares do mesmo tipo e, pondo de parte as características próprias de cada um (por um processo de abstracção), procurar o elemento que todos eles tinham em comum (o universal). Por exemplo, todas as árvores são diferentes umas das outras, mas, apesar das suas diferenças, todas parecem ter algo em comum. Só que não poderíamos saber o que elas têm em comum se não observássemos cada uma em particular, ou pelo menos um elevado número delas. Ao processo que permite chegar ao universal através do particular chama-se por vezes «indução». A indução é, pois, o método correcto para chegar à ciência, tal como escreveu Aristóteles:
É evidente também que a perda de um sentido acarreta necessariamente o desaparecimento de uma ciência, que se torna impossível de adquirir. Só aprendemos, com efeito, por indução ou por demonstração. Ora a demonstração faz-se a partir de princípios universais, e a indução a partir de casos particulares. Mas é impossível adquirir o conhecimento dos universais a não ser pela indução, visto que até os chamados resultados da abstracção não se podem tornar acessíveis a não ser pela indução. (...) Mas induzir é impossível para quem não tem a sensação: porque é nos casos particulares que se aplica a sensação; e para estes não pode haver ciência, visto que não se pode tirá-la de universais sem indução nem obtê-la por indução sem a sensação.»

Aristóteles, Segundos Analíticos
Aristóteles representa um avanço importante para a história da ciência. Além de ter fundado várias disciplinas científicas (como a taxionomia biológica, a cosmologia, a meteorologia, a dinâmica e a hidrostática), Aristóteles deu um passo mais na direcção da ciência tal como hoje a conhecemos: pela primeira vez encarou a observação da natureza de um ponto de vista mais sistemático. Ao passo que para Platão a verdadeira ciência se fazia na contemplação dos universais, descurando a observação da natureza que é fundamental na ciência, Aristóteles dava grande importância à observação.

Aristóteles desenvolveu teorias engenhosas sobre muitas áreas da ciência e da filosofia. A própria filosofia da ciência foi pela primeira vez estudada com algum rigor por ele. Aristóteles achava que havia vários tipos de explicações, que correspondiam a vários tipos de causas. Um desses tipos de causas e de explicações era fundamental, segundo Aristóteles: a explicação teleológica ou finalista. Para Aristóteles, todas as coisas tendiam naturalmente para um fim (a palavra portuguesa «teleologia» deriva da palavra grega para fim: telos), e era esta concepção teleológica da realidade que explicava a natureza de todos os seres. Esta concepção da ciência como algo que teria de ser fundamentalmente teleológica iria perdurar durante muitos séculos, e constituir até um obstáculo importante ao desenvolvimento da ciência. Ainda hoje muitas pessoas pensam que a ciência contemporânea descreve o modo como os fenómenos da natureza ocorrem, mas que não explica o porquê desses fenómenos; isto é uma ideia errada, que resulta ainda da ideia aristotélica de que só as explicações finalistas são verdadeiras explicações.

Devido a um conjunto de factores, a Grécia não voltou a ter pensadores com a dimensão de Platão e Aristóteles. Mesmo assim apareceram ainda, no séc. III a. C., alguns contributos para a ciência, tais como os Elementos de Geometria de Euclides, as descobertas de Arquimedes na Física e, já no séc. II, Ptolomeu na astronomia.

2. A idade média

Crer para compreender

Entretanto, o mundo grego desmoronou-se e o seu lugar cultural viria, em grande parte, a ser ocupado pelo império romano. Entretanto, surge uma nova religião, baseada na religião judaica e inspirada por Jesus Cristo, que a pouco e pouco foi ganhando mais adeptos. O próprio imperador romano, Constantino, converteu-se ao cristianismo no início do século IV, acabando o cristianismo por se tornar a religião oficial do Império Romano. Inicialmente pregada por Cristo e seus apóstolos, a sua doutrina veio também a ser difundida e explicada por muitos outros seguidores, estando entre os primeiros S. Paulo e os padres da igreja dos quais se destacou S. Agostinho (354-430).

Tratava-se de uma doutrina que apresentava uma mensagem apoiada na ideia de que este mundo era criado por um Deus único, omnipotente, omnisciente, livre e infinitamente bom, tendo sido nós criados à sua imagem e semelhança. Sendo assim, tanto os seres humanos como a própria natureza eram o resultado e manifestação do poder, da sabedoria, da vontade e da bondade divinas. Como prova disso, Deus teria enviado o seu filho, o próprio Cristo, e deixado a sua palavra, as Sagradas Escrituras. Por sua vez, os seres humanos, como criaturas divinas, só poderiam encontrar o sentido da sua existência através da fé nas palavras de Cristo e das Escrituras. Uma das diferenças fundamentais do cristianismo em relação ao judaísmo consistia na crença de que Jesus era um deus incarnado, coisa que o judaísmo sempre recusou e continua a recusar.

A religião cristã acabou por ser a herdeira da civilização grega e romana. Aquando da derrocada do império romano, foram os cristãos — e os árabes —, espalhados por diversos mosteiros, que preservaram o conhecimento antigo. Dada a sua formação essencialmente religiosa, tinham tendência para encarar o conhecimento, sobretudo o conhecimento da natureza, de uma maneira religiosa. O nosso destino estava nas mãos de Deus e até a natureza nos mostrava os sinais da grandeza divina. Restava-nos conhecer a vontade de Deus. Só que, para isso, de nada serve a especulação filosófica se ela não for iluminada pela fé. E o conhecimento científico não pode negar os dogmas religiosos, e deve até fundamentá-los. A ciência e a filosofia ficam assim submetidas à religião; a investigação livre deixa de ser possível. Esta atitude de totalitarismo religioso irá acabar por ter consequências trágicas para Galileu e para Giordano Bruno (1548-1600), tendo este último sido condenado pela Igreja em função das suas doutrinas científicas e filosóficas: foi queimado vivo.

As teorias dos antigos filósofos gregos deixaram de suscitar o interesse de outrora. A sabedoria encontrava-se fundamentalmente na Bíblia, pois esta era a palavra divina e Deus era o criador de todas as coisas. Quem quisesse compreender a natureza, teria, então, que procurar tal conhecimento não directamente na própria natureza, mas nas Sagradas Escrituras. Elas é que continham o sentido da vontade divina e, portanto, o sentido de toda a natureza criada. Era isso que merecia verdadeiramente o nome de «ciência».

Compreender a natureza consistia, no fundo, em interpretar a vontade de Deus patente na Bíblia e o problema fundamental da ciência consistia em enquadrar devidamente os fenómenos naturais com o que as Escrituras diziam. Assim se reduzia a ciência à teologia, tal como é ilustrado na seguinte passagem de S. Boaventura (1217-1274), tirada de um escrito cujo título é, a este respeito, elucidativo:
E assim fica manifesto como a "multiforme sabedoria de Deus", que aparece claramente na Sagrada Escritura, está oculta em todo o conhecimento e em toda a natureza. Fica, igualmente, manifesto como todas as ciências estão subordinadas à teologia, pelo que esta colhe os exemplos e utiliza a terminologia pertencente a todo o género de conhecimentos. Fica, além disso, manifesto como é grande a iluminação divina e de que modo no íntimo de tudo quanto se sente ou se conhece está latente o próprio Deus.

S. Boaventura, Redução das Ciências à Teologia
Investigações recentes revelaram que, apesar do que atrás se disse, houve mesmo assim algumas contribuições que iriam ter a sua importância no que posteriormente viria a pertencer ao domínio da ciência. Mas o mundo medieval é inequivocamente um mundo teocêntrico e a instituição que se encarregou de fazer perdurar durante séculos essa concepção foi a Igreja. A Igreja alargou a sua influência a todos os domínios da vida. Não foi apenas o domínio religioso, foi também o social, o económico, o artístico e cultural, e até o político. Com o poder adquirido, uma das principais preocupações da Igreja passou a ser o de conservar tal poder, decretando que as suas verdades não estavam sujeitas à crítica e quem se atrevesse sequer a discuti-las teria de se confrontar com os guardiães em terra da verdade divina.

Compreender para crer

Todavia, começou a surgir, por parte de certos pensadores, a necessidade de dar um fundamento teórico, ou racional, à fé cristã. Era preciso demonstrar as verdades da fé; demonstrar que a fé não contradiz a razão e vice-versa. Se antes se dizia que era preciso «crer para compreender», deveria então juntar-se «compreender para crer». A fé revela-nos a verdade, a razão demonstra-a. Assim, fé e razão conduzem uma à outra.

Foi esta a posição do mais destacado de todos os filósofos cristãos, S. Tomás de Aquino (1224-1274). S. Tomás veio dar ao cristianismo todo um suporte filosófico, socorrendo-se para tal dos conceitos da filosofia aristotélica que se vê, deste modo, cristianizada. Tanto os conceitos metafísicos de Aristóteles ¾ nomeadamente que tudo quanto existe tem uma causa primeira e um fim último ¾ como a sua cosmologia (geocentrismo reformulado por Ptolomeu: o universo é formado por esferas concêntricas, no meio do qual está a Terra imóvel) foram utilizados e adaptados à doutrina cristã da Igreja por S. Tomás. Aristóteles passou a ser estudado e comentado nas escolas (que pertenciam à Igreja, funcionando nos seus mosteiros) e tornou-se, a par das Escrituras, uma autoridade no que diz respeito ao conhecimento da natureza.

A alquimia

Além do que ficou dito, há um aspecto que não pode ser desprezado quando se fala da ciência na Idade Média e que é a alquimia. As práticas alquímicas, apesar do manto de segredo com que se cobriam, eram muito frequentes na Idade Média. O alquimista encarava a natureza como algo de misterioso e fantástico, o que não era estranho ao espírito medieval, em que tudo estava impregnado de simbolismo. Cabia-lhe decifrar e utilizar esses símbolos para descobrir as maravilhas da natureza. Desse modo ele poderia não só penetrar nos seus segredos como também manipulá-la e, por exemplo, transformar os metais vis em metais preciosos. Por tudo isso, os alquimistas foram vistos, por muitos, como verdadeiros agentes do demónio. O anonimato seria a melhor forma de prosseguir nas suas práticas, as quais eram consideradas como ilícitas em relação aos programas oficiais das escolas da época. Daí a existência das chamadas sociedades secretas, do ocultismo e do esoterismo, onde a própria situação de anonimato ia a par do mistério que cobre todas as coisas.

Há quem defenda que tudo isso, ao explorar certos aspectos da natureza proibidos pelas autoridades religiosas deu também o seu contributo à ciência, nomeadamente à química, que, na altura, ainda não tinha surgido. Mas esta tese tem poucos exemplos em que se apoiar e parece até que o verdadeiro espírito científico moderno teve de se debater com a resistência dos fantasmas irracionais associados à alquimia e outras práticas do género pouco dadas à compreensão racional dos fenómenos naturais. A alquimia continuou a praticar-se e chegou mesmo a despertar o interesse de algumas das mais importantes figuras da história da ciência, como foi o caso de Newton. O mais conhecido praticante da alquimia foi Paracelso (1493-1541), em pleno período renascentista.

3. A ciência moderna

Os precursores

Não é possível dizer exactamente quando terminou a Idade Média e começou o período que se lhe seguiu. Há, todavia, uma data que é frequentemente apontada como referência simbólica da passagem de uma época à outra. Essa data é 1453, data que marca a queda do Império Romano do Oriente.

O início do Renascimento trouxe consigo uma longa série de transformações que seria impossível referir aqui na sua totalidade. Algumas dessas transformações mostraram os seus primeiros indícios ainda no período medieval e tiveram muito que ver com, entre outros factos, o aparecimento de novas classes que já não estavam inseridas na rígida estrutura feudal, própria do mundo rural medieval. Essas classes são as dos mercadores e artífices, as quais dependem essencialmente do comércio marítimo. Fora da tradicional hierarquia feudal, muitas pessoas prosperam nas cidades. Cidades que se desenvolvem e onde começa a surgir também uma indústria, sobretudo ligada à manufactura de produtos ¾ com a valorização dos artesãos ¾ e à construção naval. Isso trouxe consigo um inevitável progresso técnico que viria a colocar novos problemas no domínio da ciência. Para tal contribuíram, além do comércio naval atrás referido, também os descobrimentos marítimos. Descobrimentos em que Portugal ocupa um lugar de relevo. O mundo fechado do tempo das catedrais começa, assim, a abrir-se, com as velhas certezas a ruir e os horizontes de um «novo universo» a alargar-se.

O homem renascentista começou a virar-se mais para si do que para os dogmas bíblicos e a interessar-se cada vez mais pelas ideias, durante tantos séculos esquecidas, dos grandes filósofos gregos, de modo a fazer renascer os ideais da cultura clássica ¾ daí o nome de Renascimento. Esta é uma nova atitude a que se chamou «humanismo». O protótipo do homem renascentista é Leonardo da Vinci, pintor, escultor, arquitecto, engenheiro, escritor, etc., a quem tudo interessa. Muitas verdades intocáveis são revistas e caem do seu pedestal. O que leva, inclusivamente, à contestação da autoridade religiosa do Papa, como acontece com Lutero (1483-1546), dando origem ao protestantismo e à reforma da Igreja.

As mudanças acima apontadas irão estar na base de um acontecimento de importância capital na história da ciência: a criação, por Galileu (1564-1642), da ciência moderna. Com a criação da ciência moderna foi toda uma concepção da natureza que se alterou, de tal modo que se pode dizer que Galileu rompeu radicalmente com a tradicional concepção do mundo incontestada durante tantos séculos.

É claro que Galileu não esteve sozinho e podemos apontar pelo menos dois nomes que em muito ajudaram a romper com essa tradição e contribuíram de forma evidente para a criação da ciência moderna: Copérnico (1473-1543) e Francis Bacon (1561-1626).

Por um lado, Copérnico com a publicação do seu livro A Revolução das Órbitas Celestes veio defender uma teoria que não só se opunha à doutrina da Igreja, como também ao mais elementar senso comum, enquadrados pela autoridade da filosofia aristotélica largamente ensinada nas universidades da época: essa teoria era o heliocentrismo.

O heliocentrismo, ao contrário do geocentrismo até então reinante, veio defender que a Terra não se encontrava imóvel no centro do universo com os planetas e o Sol girando à sua volta, mas que era ela que se movia em torno do Sol. Ao defender esta teoria, Copérnico baseava-se na convicção de que a natureza não devia ser tão complicada quanto o esforço que era necessário para, à luz do geocentrismo aristotélico, compreender o movimento dos planetas, as fases da Lua e as estações do ano.

Seriam Galileu, graças às observações com o seu telescópio, e o astrónomo alemão Kepler (1571-1630), ao descobrir as célebres leis do movimento dos planetas, a completar aquilo que Copérnico não chegou a fazer: apresentar as provas que davam definitivamente razão à teoria heliocêntrica, condenando a teoria geocêntrica como falsa. Nada disto, porém, aconteceu sem uma grande resistência por parte dos «sábios» da altura e da Igreja, tendo esta ameaçado e mesmo julgado Galileu por tal heresia.

Por outro lado, Bacon propôs na sua obra Novum Organum um novo método para o estudo da natureza que viria a tornar-se uma marca distintiva da ciência moderna. Bacon defende a experimentação seguida da indução.

Mas não vimos atrás que também Aristóteles defendia a indução? É verdade que já há cerca de dois mil anos antes Aristóteles propunha a indução como método de conhecimento. Só que, para este, a indução não utilizava a experimentação. Se Aristóteles tivesse recorrido à experimentação, facilmente poderia concluir que, ao contrário do que estava convencido, a velocidade da queda dos corpos não depende do seu peso. Para Aristóteles, a indução partia da simples enumeração de casos particulares observados, enquanto que Bacon falava de uma observação que não era meramente passiva, até porque o homem de ciência deveria estar atento aos obstáculos que se interpõem entre o espírito humano e a natureza. Assim, seria necessário eliminar da observação vulgar as falsas imagens ¾ que tinham diferentes origens e a que Bacon dava o nome de idola ¾ e pôr essa observação à prova através da experimentação.

A par do que ficou dito, Bacon falava de uma ciência já não contemplativa como a anterior, mas uma ciência «activa e operativa» que visava possibilitar aos seres humanos os meios de intervir na natureza e a dominar. Esta ciência dos efeitos traz consigo o germe da interdependência entre ciência e tecnologia.

O nascimento da ciência moderna: Galileu

O que acaba de se referir contribuiu para o aparecimento de uma nova ciência, mas o seu fundador, como começou por se assinalar, foi Galileu.

Há três tipos de razões que fizeram de Galileu o pai de uma nova forma de encarar a natureza: em primeiro lugar, deu autonomia à ciência, fazendo-a sair da sombra da teologia e da autoridade livresca da tradição aristotélica; em segundo lugar, aplicou pela primeira vez o novo método, o método experimental, defendendo-o como o meio adequado para chegar ao conhecimento; finalmente, deu à ciência uma nova linguagem, que é a linguagem do rigor, a linguagem matemática.

Ao dar autonomia à ciência, Galileu fê-la verdadeiramente nascer. Embora na altura se lhe chamasse «filosofia da natureza», era a ciência moderna que estava a dar os seus primeiros passos. Antes disso, a ciência ainda não era ciência, mas sim teologia ou até metafísica. A verdade acerca das coisas naturais ainda se ia buscar às Escrituras e aos livros de Aristóteles.

E não foi fácil a Galileu quebrar essa dependência, tendo que se defender, após a publicação do seu livro Diálogo dos Grandes Sistemas, das acusações de pôr em causa o que a Bíblia dizia. Esta carta de Galileu é bem disso exemplo:
Posto isto, parece-me que nas discussões respeitantes aos problemas da natureza, não se deve começar por invocar a autoridade de passagens das Escrituras; é preciso, em primeiro lugar, recorrer à experiência dos sentidos e a demonstrações necessárias. Com efeito, a Sagrada Escritura e a natureza procedem igualmente do Verbo divino, sendo aquela ditada pelo Espírito Santo, e esta, uma executora perfeitamente fiel das ordens de Deus. Ora, para se adaptarem às possibilidades de compreensão do maior número possível de homens, as Escrituras dizem coisas que diferem da verdade absoluta, quer na sua expressão, quer no sentido literal dos termos; a natureza, pelo contrário, conforma-se inexorável e imutavelmente às leis que lhe foram impostas, sem nunca ultrapassar os seus limites e sem se preocupar em saber se as suas razões ocultas e modos de operar estão dentro das capacidades de compreensão humana. Daqui resulta que os efeitos naturais e a experiência sensível que se oferece aos nossos olhos, bem como as demonstrações necessárias que daí retiramos não devem, de maneira nenhuma, ser postas em dúvida, nem condenadas em nome de passagens da Escritura, mesmo quando o sentido literal parece contradizê-las.

Galileu, Carta a Cristina de Lorena
Foi também Galileu quem, na linha de Bacon, utilizou pela primeira vez o método experimental, o que lhe permitiu chegar a resultados completamente diferentes daqueles que se podiam encontrar na ciência tradicional. Um exemplo do pioneirismo de Galileu na utilização do método experimental é o da utilização do famoso plano inclinado, por si construído para observar em condições ideais (ultrapassando os obstáculos da observação directa) o movimento da queda dos corpos. Pôde, desse modo, repetir as experiências tantas vezes quantas as necessárias e registar meticulosamente os resultados alcançados. Tais resultados devem-se, ainda, a uma novidade que Galileu acrescentou em relação ao método indutivo de Bacon: o raciocínio matemático. A ciência não poderia mais construir-se e desenvolver-se tendo por base a interpretação dos textos sagrados; mas também não o poderia fazer por simples dedução lógica a partir de dogmas teológicos:
Ao cientista só se deve exigir que prove o que afirma. (...) Nas disputas dos problemas das ciências naturais, não se deve começar pela autoridade dos textos bíblicos, mas sim pelas experiências sensatas e pelas demonstrações indispensáveis.

Galileu, Audiência com o Papa Urbano VIII
Tratava-se de uma ciência cujas verdades deveriam ter um conteúdo empírico e que podiam ser não só expressas, mas também demonstradas numa linguagem já não qualitativa mas quantitativa: a linguagem matemática. Foi o que aconteceu quando Galileu, graças ao referido plano inclinado, pôs em prática o novo método e começou a investigar o movimento natural dos corpos. O resultado foi formular uma lei universal expressa matematicamente, o que tornava também possível fazer previsões. Diz ele:
Não há, talvez, na natureza nada mais velho que o movimento, e não faltam volumosos livros sobre tal assunto, escritos por filósofos. Apesar disso, muitas das suas propriedades (...) não foram observadas nem demonstradas até ao momento. (...) Com efeito, que eu saiba, ninguém demonstrou que o corpo que cai, partindo de uma situação de repouso, percorre em tempos iguais, espaços que mantêm entre si uma proporção idêntica à que se verifica entre os números ímpares sucessivos começando pela unidade.

Galileu, As Duas Novas Ciências
A velocidade da queda dos corpos (queda livre), é de tal modo apresentada que pode ser rigorosamente descrita numa fórmula matemática. Não seria possível fazer ciência sem se dominar a linguagem matemática. Metaforicamente, é através da matemática que a natureza se exprime:
A filosofia está escrita neste grande livro que está sempre aberto diante de nós: refiro-me ao universo; mas não pode ser lido antes de termos aprendido a sua linguagem e de nos termos familiarizado com os caracteres em que está escrito. Está escrito em linguagem matemática e as letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível entender uma só palavra.

Galileu, Il Saggiatore
A descrição matemática da realidade, característica da ciência moderna, trouxe consigo uma ideia importante: conhecer é medir ou quantificar. Nesse caso, os aspectos qualitativos não poderiam ser conhecidos. Também as causas primeiras e os fins últimos aristotélicos, pelos quais todas as coisas se explicavam, deixaram de pertencer ao domínio da ciência. Com Galileu a ciência aprende a avançar em pequenos passos, explicando coisas simples e avançando do mais simples para o mais complexo. Em lugar de procurar explicações muito abrangentes, procurava explicar fenómenos simples. Em vez de tentar explicar de forma muito geral o movimento dos corpos, procurava estudar-lhe as suas propriedades mais modestas. E foi assim, com pequenos passos, que a ciência alcançou o tipo de explicações extremamente abrangentes que temos hoje. Inicialmente, parecia que a ciência estava mais interessada em explicar o «como» das coisas do que o seu «porquê»; por exemplo, parecia que os resultados de Galileu quanto ao movimento dos corpos se limitava a explicar o modo como os corpos caem e não a razão pela qual caem; mas, com a continuação da investigação, este tipo de explicações parcelares acabaram por se revelar fundamentais para se alcançar explicações abrangentes e gerais do porquê das coisas — só que agora estas explicações gerais estão solidamente ancoradas na observação e na medição paciente, assim como na descrição pormenorizada de fenómenos mais simples.

O mecanicismo: Descartes e Newton

A ciência galilaica lançou as bases para uma nova concepção da natureza que iria ser largamente aceite e desenvolvida: o mecanicismo.

O mecanicismo, contrariamente ao organicismo anteriormente reinante que concebia o mundo como um organismo vivo orientado para um fim, via a natureza como um mecanismo cujo funcionamento se regia por leis precisas e rigorosas. À maneira de uma máquina, o mundo era composto de peças ligadas entre si que funcionavam de forma regular e poderiam ser reduzidas às leis da mecânica. Uma vez conhecido o funcionamento das suas peças, tal conhecimento é absolutamente perfeito, embora limitado. Um ser persistente e inteligente pode conhecer o funcionamento de uma máquina tão bem como o seu próprio construtor e sem ter que o consultar a esse respeito.

Um dos grandes defensores do mecanicismo foi o filósofo francês Descartes (1596-1656), que chegou mesmo a escrever o seguinte:
Eu não sei de nenhuma diferença entre as máquinas que os artesãos fazem e os diversos corpos que a natureza por si só compõe, a não ser esta: que os efeitos das máquinas não dependem de mais nada a não ser da disposição de certos tubos, que devendo ter alguma relação com as mãos daqueles que os fazem, são sempre tão grandes que as suas figuras e movimentos se podem ver, ao passo que os tubos ou molas que causam os efeitos dos corpos naturais são ordinariamente demasiado pequenos para poderem ser percepcionados pelos nossos sentidos. Por exemplo, quando um relógio marca as horas por meio das rodas de que está feito, isso não lhe é menos natural do que uma árvore a produzir os seus frutos.

Descartes, Princípios da Filosofia
O mecanicismo é o antecessor do fisicalismo, uma doutrina que hoje em dia está no centro de grande parte da investigação dos filósofos contemporâneos. Tanto o mecanicismo como o fisicalismo são diferentes formas de reducionismo.

O que é o reducionismo? O reducionismo é a ideia, central no desenvolvimento da ciência e da filosofia, de que podemos reduzir alguns fenómenos de um certo tipo a fenómenos de outro tipo. Do ponto de vista psicológico e até filosófico, o reducionismo pode ser encarado como uma vontade de diminuir drasticamente o domínio de fenómenos primitivos existentes na natureza. Por exemplo, hoje em dia sabemos que todos os fenómenos químicos são no fundo agregados de fenómenos físicos; isto é, os fenómenos químicos são fenómenos que derivam dos físicos — daí dizer-se que os fenómenos físicos são primitivos e que os químicos são derivados. Mas o reducionismo é mais do que uma vontade de diminuir o domínio de fenómenos primitivos: é um aspecto da tentativa de compreender a natureza última da realidade; é um aspecto importante da tentativa de saber o que explica os fenómenos. Assim, se os fenómenos químicos são no fundo fenómenos físicos, e se tivermos uma boa explicação e uma boa compreensão do que são os fenómenos físicos, então teremos também uma boa explicação e uma boa compreensão dos fenómenos químicos, desde que saibamos reduzir a química à física. O mecanicismo foi refutado no século XIX por Maxwell (1831-79), que mostrou que a radiação electromagnética e os campos electromagnéticos não tinham uma natureza mecânica. O mecanicismo é a ideia segundo a qual tudo o que acontece se pode explicar em termos de contactos físicos que produzem «empurrões» e «puxões».

Dado que o mecanicismo é uma forma de reducionismo, não é de admirar que o principal objectivo de Descartes tenha sido o de unificar as diferentes ciências como se de uma só se tratasse, de modo a constituir um saber universal. Não via mesmo qualquer motivo para que se estudasse cada uma das ciências em separado, visto que a razão em que se apoia o estudo de uma ciência é a mesma que está presente no estudo de qualquer outra:
Todas as ciências não são mais do que sabedoria humana, que permanece sempre una e sempre a mesma, por mais diferentes que sejam os objectos aos quais ela se aplica, e que não sofre nenhumas alterações por parte desses objectos, da mesma forma que a luz do Sol não sofre nenhumas modificações por parte das variadíssimas coisas que ilumina.

Descartes, Regras para a Direcção do Espírito
Para atingir tal objectivo seria necessário satisfazer três condições: dar a todas as ciências o mesmo método; partir do mesmo princípio; assentar no mesmo fundamento. Só assim se poderiam unificar as ciências.

Quanto ao método, Descartes achava também que só o rigor matemático poderia fazer as ciências dar frutos. Daí que tivesse dado o nome de mathesis universalis ao seu projecto de unificação das ciências. A matemática deveria, portanto, servir todas as ciências:
Deve haver uma ciência geral que explica tudo o que se pode investigar respeitante à ordem e à medida, sem as aplicar a uma matéria especial: esta ciência designa-se (...) pelo vocábulo já antigo e aceite pelo uso de mathesis universalis, porque encerra tudo o que fez dar a outras ciências a denominação de partes das matemáticas.

Descartes, Regras para a Direcção do Espírito
Relativamente à segunda condição, o princípio de que todo o conhecimento deveria partir, só poderia ser o pensamento ou razão. Descartes queria tomar como princípio do conhecimento alguma verdade que fosse de tal forma segura, que dela não pudéssemos sequer duvidar. E a única certeza inabalável que, segundo ele, resistia a qualquer dúvida só podia ser a evidência do próprio acto de pensar.

Finalmente, em relação ao fundamento do conhecimento, este deveria ser encontrado, segundo Descartes, em Deus. Deus era a única garantia da veracidade dos dados ¾ racionais e não sensíveis ¾ e, consequentemente, da verdade do conhecimento. Sem Deus não poderíamos ter a certeza de nada. Ele foi o responsável pelas ideias inatas que há em nós, tornando-se por isso o fundamento metafísico do conhecimento.

Temos, assim, as diversas ciências da época concebidas como os diferentes ramos de uma mesma árvore, ligados a um tronco comum e alimentados pelas mesmas raízes. As raízes de que se alimenta a ciência são, como vimos, as ideias inatas colocadas em nós por Deus. Estamos, neste caso, no domínio da metafísica:
Assim toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são a metafísica, o tronco é a física, e os ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais, a saber, a medicina, a mecânica e a moral.

Descartes, Princípios da Filosofia
Vale a pena salientar duas importantes diferenças em relação a Galileu.

A primeira é a do papel que Descartes atribuiu à experiência. Se o método experimental de Galileu parte da observação sensível, o mesmo já não acontece com Descartes, cujo ponto de partida é o pensamento, acarretando com isso uma diferença de método. Não é que, para Descartes, a experiência não tenha qualquer papel, mas este é apenas complementar em relação à razão. Reforça-se, todavia, a importância da matemática.

A segunda diferença diz respeito ao lugar da metafísica. Enquanto Galileu se demarcou claramente de qualquer pressuposto metafísico, Descartes achava que a metafísica era o fundamento de todo o conhecimento verdadeiro. Mas se Descartes via em Deus o fundamento do conhecimento, não achava necessário, todavia, fazer intervir a metafísica na investigação e descrição dos fenómenos naturais.

Entretanto, a ciência moderna ia dando os seus frutos e a nova concepção do mundo, o mecanicismo, ganhando cada vez mais adeptos. Novas ciências surgiram, como é o caso da biologia, cuja paternidade se atribuiu a Harvey (1578-1657), com a descoberta da circulação do sangue. E assim se chegou àquele que é uma das maiores figuras da história da ciência, que nasceu precisamente no ano em que Galileu morreu: o inglês Isaac Newton (1642-1727).

Ao publicar o seu livro Princípios Matemáticos de Filosofia da Natureza, Newton foi responsável pela grande síntese mecanicista. Este livro tornou-se numa espécie de Bíblia da ciência moderna. Aí completou o que restava por fazer aos seus antecessores e unificou as anteriores descobertas sob uma única teoria que servia de explicação a todos os fenómenos físicos, quer ocorressem na Terra ou nos céus. Teoria que tem como princípio fundamental a lei da gravitação universal, na qual se afirmava que «cada corpo, cada partícula de matéria do universo, exerce sobre qualquer outro corpo ou partícula uma força atractiva proporcional às respectivas massas e ao inverso do quadrado da distância entre ambos».

Partindo deste princípio de aplicação geral, todos os fenómenos naturais poderiam, recorrendo ao cálculo matemático ¾ o cálculo infinitesimal, também inventado por Newton ¾ , ser derivados. Vejamos o que, a esse propósito, escreveu:
Proponho este trabalho como princípios matemáticos da filosofia, já que o principal problema da filosofia parece ser este: investigar as forças da natureza a partir dos fenómenos do movimento, e depois, a partir dessas forças, demonstrar os outros fenómenos; (...) Gostaria que pudéssemos derivar o resto dos fenómenos da natureza pela mesma espécie de raciocínio a partir de princípios mecânicos, pois sou levado por muitas razões a suspeitar que todos eles podem depender de certas forças pelas quais as partículas dos corpos, por causas até aqui desconhecidas, são ou mutuamente impelidas umas para as outras, e convergem em figuras regulares, ou são repelidas, e afastam-se umas das outras.

Newton, Princípios Matemáticos de Filosofia da Natureza
O universo era, portanto, um conjunto de corpos ligados entre si e regidos por leis rígidas. Massa, posição e extensão, eis os únicos atributos da matéria. No funcionamento da grande máquina do universo não havia, pois, lugar para qualquer outra força exterior ou divina. E, como qualquer máquina, o movimento é o seu estado natural. Por isso o mecanicismo apresentava uma concepção dinâmica do universo e não estática como pensavam os antigos.

Os fundamentos da ciência: Hume e Kant

Entretanto, os resultados proporcionados pela física newtoniana iam fazendo desaparecer as dúvidas que ainda poderiam subsistir em relação ao ponto de vista mecanicista e determinista da natureza. Os progressos foram imensos, o que parecia confirmar a justeza de tal ponto de vista.

A velha questão acerca do que deveria ser a ciência estava, portanto, ultrapassada. Interessava, sim, explicar a íntima articulação entre matemática e ciência, bem como os fundamentos do método experimental. Mas tais problemas imediatamente iriam dar origem a outro mais profundo: se o que caracteriza o conhecimento científico é o facto de produzir verdades universais e necessárias, então em que se baseiam a universalidade e necessidade de tais conhecimentos?

Este problema compreende-se melhor se pensarmos que a inferência válida que se usa na matemática e na lógica tem uma característica fundamental que a diferencia da inferência que se usa na ciência e a que geralmente se chama "indução", apesar de este nome referir muitos tipos diferentes de inferências. Na inferência válida da matemática e da lógica, é logicamente impossível que a conclusão seja falsa e as premissas sejam verdadeiras. Mas o mesmo não acontece na inferência indutiva: neste caso, podemos ter uma boa inferência com premissas verdadeiras, mas a sua conclusão pode ser falsa. Isto levanta um problema de justificação: como podemos justificar que as conclusões das inferências são realmente verdadeiras? Na inferência válida, é logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa; mas como podemos justificar que, na boa inferência indutiva seja impossível que as conclusões sejam falsas se as premissas forem verdadeiras? É que essa impossibilidade não é fácil de compreender, dado que não é uma impossibilidade lógica. E apesar de as ciências da natureza usarem também muitas inferências válidas, não podem avançar sem inferências indutivas.

O filósofo empirista escocês David Hume (1711-1776) no seu Ensaio sobre o Entendimento Humano defendia que tudo o que sabemos procede da experiência, mas que esta só nos mostra como as coisas acontecem e não que é impossível que acontecem de outra maneira. É um facto que hoje o Sol nasceu, o que também sucedeu ontem, anteontem e nos outros dias anteriores. Mas isso é tudo o que os sentidos nos autorizam a afirmar e não podemos concluir daí que é impossível o Sol não nascer amanhã. Ao fazê-lo estaríamos a ir além do que nos é dado pelos sentidos. Os sentidos também não nos permitem formular juízos universais, mas apenas particulares. Ainda que um aluno só tenha tido até agora professores de filosofia excêntricos, ele não pode, mesmo assim, afirmar que todos os professores de filosofia são excêntricos. Nem a mais completa colecção de casos idênticos observados nos permite tirar alguma conclusão que possa tomar-se como universal e necessária. O facto de termos visto muitas folhas cair em nada nos autoriza a concluir que todas as folhas caem necessariamente, assim como o termos visto o Sol nascer muitas vezes não nos garante que ele nasça no dia seguinte, pois isso não constitui um facto empírico. Mas não é precisamente isso que fazemos quando raciocinamos por indução? E as leis científicas não se apoiam nesse tipo de raciocínio ou inferência? Logo, se algo de errado se passa com a indução, algo de errado se passa com a ciência.

Mas se as coisas na natureza sempre aconteceram de uma determinada maneira (se o Sol tem nascido todos os dias), não será de esperar que aconteçam do mesmo modo no futuro (que o Sol nasça amanhã)? Para Hume só é possível defender tal coisa se introduzirmos uma premissa adicional, isto é, se admitirmos que a natureza se comporta de maneira uniforme. A crença de que a natureza funciona sempre da mesma maneira é conhecida como o «princípio da uniformidade da natureza». Mas, interroga-se Hume, em que se fundamenta por sua vez o princípio da uniformidade da natureza? A resposta é que tal princípio se apoia na observação repetida dos mesmos fenómenos, o que nos leva a acreditar que a natureza se irá comportar amanhã como se comportou hoje, ontem e em todos os dias anteriores. Mas assim estamos a cair num raciocínio circular que é o seguinte: a indução só pode funcionar se tivermos antes estabelecido o princípio da uniformidade da natureza; mas estabelecemos o princípio da uniformidade da natureza por meio do raciocínio indutivo.

Por que razão insistimos, então, em fazer induções? A razão — ou melhor, o motivo — é inesperadamente simples: porque somos impelidos pelo hábito de observarmos muitas vezes a mesma coisa acontecer. Ora, isso não é do domínio lógico, mas antes do psicológico.

O que Hume fez foi uma crítica da lógica da indução. Esta apoia-se mais na crença do que na lógica do raciocínio. O mesmo tipo de crítica levou também Hume a questionar a relação de causa-efeito entre diferentes fenómenos. Como tal, para Hume, o conhecimento científico, enquanto conhecimento que produz verdades universais e necessárias, não é logicamente possível, assumindo, por isso, uma posição céptica.

Seria o cepticismo de Hume que iria levar Kant (1724-1804) a tentar encontrar uma resposta para tal problema.

Depois de uma crítica completa, na sua obra Crítica da Razão Pura, à forma como, em nós, se constituía o conhecimento, Kant concluiu que aquilo que conferia necessidade e universalidade ao conhecimento residia no próprio sujeito que conhece. Para Kant, o entendimento humano não se limitava a receber o que os sentidos captavam do exterior; ele era activo e continha em si as formas a priori ¾ que não dependem da experiência ¾ às quais todos os dados empíricos se teriam que submeter.

Era, pois, nessas formas a priori do entendimento que se devia encontrar a necessidade e universalidade do conhecimento:
Necessitamos agora de um critério pelo qual possamos distinguir seguramente um conhecimento puro de um conhecimento empírico. É verdade que a experiência nos ensina que algo é constituído desta ou daquela maneira, mas não que não possa sê-lo diferentemente. Em primeiro lugar, se encontrarmos uma proposição que apenas se possa pensar como necessária, estamos em presença de um juízo a priori (...). Em segundo lugar, a experiência não concede nunca aos seus juízos uma universalidade verdadeira e rigorosa, apenas universalidade suposta e comparativa (por indução), de tal modo que, em verdade, antes se deveria dizer: tanto quanto até agora nos foi dado verificar, não se encontram excepções a esta ou àquela regra. Portanto, se um juízo é pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, de tal modo que nenhuma excepção se admite como possível, não é derivado da experiência, mas é absolutamente válido a priori. (...)

(...) Pois onde iria a própria experiência buscar a certeza se todas as regras, segundo as quais progride, fossem continuamente empíricas e, portanto, contingentes?

Kant, Crítica da Razão Pura
Verificando que os conhecimentos científicos se referiam a factos observáveis, mas que se apresentavam de uma forma universal e necessária, Kant caracterizou as verdades científicas como juízos sintéticos a priori. Sintéticos porque não dependiam unicamente da análise de conceitos; a priori porque se fundamentavam, não na experiência empírica, mas nas formas a priori do entendimento, as quais lhes conferiam necessidade e universalidade.

Restava, para este filósofo, uma questão: saber se a metafísica poderia ser considerada uma ciência. Mas a resposta foi negativa porque, em metafísica, não era possível formular juízos sintéticos a priori. As questões metafísicas ¾ a existência de Deus e a imortalidade da alma ¾ caíam fora do âmbito da ciência, ao contrário da ciência medieval em que o estatuto de cada ciência dependia, sobretudo, da dignidade do seu objecto, sendo a teologia e a metafísica as mais importantes das ciências.

A «solução» de Kant dificilmente é satisfatória. Ao explicar o carácter necessário e universal das leis científicas, Kant tornou-as inter-subjectivas: algo que resulta da nossa capacidade de conhecer e não do mundo em si. Quando um cientista afirma que nenhum objecto pode viajar mais depressa do que a luz, está para Kant a formular uma proposição necessária e universal, mas que se refere não à natureza íntima do mundo, mas antes ao modo como nós, seres humanos, conhecemos o mundo. Estavam abertas as portas ao idealismo alemão, que teria efeitos terríveis na história da filosofia. Nos anos 70 do século XX, o filósofo americano Saul Kripke (1940- ) iria apresentar uma solução parcial ao problema levantado por Hume que é muito mais satisfatória do que a de Kant. Kripke mostrou, efectivamente, como podemos inferir conclusões necessárias a partir de premissas empíricas, de modo que a necessidade das leis científicas não deriva do seu carácter sintético a priori, como Kant dizia, mas antes do seu carácter necessário a posteriori.

4. O positivismo do século xix

Comte

No século XIX, o ritmo do desenvolvimento científico e tecnológico cresceu imenso. Em consequência disso, a vida das pessoas sofreu alterações substanciais. Era a ciência que dava origem a novas invenções, as quais impulsionavam uma série de transformações na sociedade. Com efeito, estabeleceu-se uma relação entre os seres humanos e a ciência, de tal maneira que esta passou a fazer parte das suas próprias vidas.

Apareceram muitas outras ciências ao longo do século XIX, onde se contavam, por exemplo, a psicologia. O clima era de confiança em relação à ciência, na medida em que ela explicava e solucionava cada vez mais problemas. A física era o exemplo de uma ciência que apresentava imensos resultados e que nos ajudava a compreender o mundo como nunca antes tinha sido possível. A religião ia, assim, perdendo terreno no domínio do conhecimento e até a própria filosofia era frequentemente acusada de se perder em estéreis discussões metafísicas. A ciência não tinha, pois, rival.

É neste contexto que surge uma nova filosofia, apresentada no livro Curso de Filosofia Positiva, com o francês Auguste Comte (1798-1857): o positivismo.

O positivismo considera a ciência como o estado de desenvolvimento do conhecimento humano que superou, quer o estado das primitivas concepções mítico-religiosas, as quais apelavam à intervenção de seres sobrenaturais, quer o da substituição desses seres por forças abstractas. Comte pensa mesmo ter descoberto uma lei fundamental acerca do desenvolvimento do conhecimento, seja em que domínio for. Essa lei é a de que as nossas principais concepções passam sempre por três estados sucessivos: «o estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstracto e o estado científico ou positivo». A cada estado corresponde um método de filosofar próprio. Trata-se, respectivamente, do método teológico, do método metafísico e do método positivo. Assim, a ciência corresponde ao estado positivo do conhecimento, que é, para Comte, o seu estado definitivo:
Estudando assim o desenvolvimento total da inteligência humana nas suas diversas esferas de actividade, desde o seu primeiro e mais simples desenvolvimento até aos nossos dias, penso ter descoberto uma grande lei fundamental, à qual ele se encontra submetido por uma necessidade invariável, e que me parece poder estabelecer-se solidamente, quer pelas provas racionais que o conhecimento da nossa organização nos fornece, quer pelas verificações históricas que resultam de um atento exame do passado. Esta lei consiste em que cada uma das nossas principais concepções, cada ramo dos nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados teóricos diferentes: o estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abstracto, o estado científico ou positivo. Noutros termos, o espírito humano, dada a sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma das suas pesquisas, três métodos de filosofar, de características essencialmente diferentes e mesmo radicalmente opostos: primeiro o método teológico, depois o método metafísico e, por fim, o método positivo. Donde decorre a existência de três tipos de filosofia ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto dos fenómenos que mutuamente se excluem: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira o seu estado fixo e definitivo; a segunda destina-se unicamente a servir de transição.

Comte, Curso de Filosofia Positiva
Comte prossegue, caracterizando cada um dos estados, de modo a concluir que os primeiros dois estados foram necessários apenas como degraus para chegar ao seu estado perfeito, o estado positivo:
No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente as suas pesquisas para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os fenómenos que o atingem, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, concebe os fenómenos como produzidos pela acção directa e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja arbitrária intervenção explicaria todas as aparentes anomalias do universo.

No estado metafísico, que no fundo não é mais que uma modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstractas, verdadeiras entidades (abstracções personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por si mesmas todos os fenómenos observados, cuja explicação consiste então em referir para cada um a entidade correspondente.

Por último, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo e a conhecer as causas íntimas dos fenómenos, para se dedicar apenas à descoberta, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, das suas leis efectivas, isto é, das suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos factos, reduzida então aos seus termos reais, não é mais, a partir daqui, do que a ligação que se estabelece entre os diversos fenómenos particulares e alguns factos gerais cujo número tende, com os progressos da ciência, a diminuir cada vez mais. (...)

Assim se vê, por este conjunto de considerações, que, se a filosofia positiva é o verdadeiro estado definitivo da inteligência humana, aquele para o qual ela sempre, e cada vez mais, tendeu, nem por isso ela deixou de utilizar necessariamente, no começo e durante muitos séculos, a filosofia teológica, quer como método, quer como doutrina provisórios; filosofia cujo carácter é ela ser espontânea e, por isso mesmo, a única que era possível no princípio, assim como a única que podia satisfazer os interesses do nosso espírito nos seus primeiros tempos. É agora muito fácil ver que, para passar desta filosofia provisória à filosofia definitiva, o espírito humano teve, naturalmente, que adoptar, como filosofia transitória, os métodos e as doutrinas metafísicas. Esta última consideração é indispensável para completar a visão geral da grande lei que indiquei.

Com efeito, concebe-se facilmente que o nosso entendimento, obrigado a percorrer degraus quase insensíveis, não podia passar bruscamente, e sem intermediários, da filosofia teológica para a filosofia positiva. A teologia e a física são profundamente incompatíveis, as suas concepções têm características tão radicalmente opostas que, antes de renunciar a umas para utilizar exclusivamente as outras, a inteligência humana teve de se servir de concepções intermédias, de características mistas, e por isso mesmo próprias para realizar, gradualmente, a transição. É este o destino natural das concepções metafísicas que não têm outra utilidade real.»

Comte, Curso de Filosofia Positiva
O pensamento de Comte, mais do que uma filosofia original, era uma filosofia que captou um certo espírito do século XIX e lhe deu uma espécie de justificação. Este tipo de espírito positivista viria a conhecer uma reacção extrema, anti-positivista: o romantismo e o irracionalismo, que acabariam por dar o perfil definitivo à filosofia do continente europeu do século XX. Ao passo que o positivismo exaltava a ciência, o romantismo e o irracionalismo deploravam a ciência. Ambas as ideias parecem falsas e exageradas. As ideias de Comte são vagas e os argumentos que ele usa para as sustentar são pouco mais do que sugestões. A própria ideia de ciência que Comte apresenta está errada; não é verdade que a ciência tenha renunciado a explicar as causas mais profundas dos fenómenos, nem é verdade que na história do pensamento tenhamos assistido a uma passagem de uma fase mais abstracta para uma fase mais concreta ou positiva. Pelo contrário, a ciência apresenta um grau de abstracção cada vez maior, e a própria filosofia, com as suas teorias e argumentos extremamente abstractos, conheceu no século XX um desenvolvimento como nunca antes tinha acontecido.

O positivismo defende que só a ciência pode satisfazer a nossa necessidade de conhecimento, visto que só ela parte dos factos e aos factos se submete para confirmar as suas verdades, tornando possível a obtenção de «noções absolutas».
Do que dissemos decorre que o traço fundamental da filosofia positiva é considerar todos os fenómenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, sendo o fim de todos os nossos esforços a sua descoberta precisa e a sua redução ao menor número possível, e considerando como absolutamente inacessível e vazio de sentido a procura daquilo a que se chama as causas, sejam primeiras ou finais. É inútil insistir muito num princípio que se tornou tão familiar a todos os que estudaram, com alguma profundidade, as ciências de observação. Com efeito, todos nós sabemos que, nas nossas explicações positivas, mesmo nas mais perfeitas, não temos a pretensão de expor as causas geradoras dos fenómenos, dado que nesse caso não faríamos senão adiar a dificuldade, mas apenas de analisar com exactidão as circunstâncias da sua produção e de as ligar umas às outras por normais relações de sucessão e similitude. (...)

Comte, Curso de Filosofia Positiva
O pressuposto fundamental é, pois, o de que há uma regularidade no funcionamento da natureza, cabendo ao homem descobrir com exactidão as «leis naturais invariáveis» a que todos os fenómenos estão submetidos. Essas leis devem traduzir com todo o rigor as condições em que determinados factos são produzidos. Para isso tem de se partir da observação dos próprios factos e das relações que entre eles se estabelecem de modo a chegar a resultados universais e objectivos. Qualquer facto observado é o resultado necessário de causas bem precisas que é importante investigar. Até porque as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, não havendo na natureza lugar para a fantasia e o improviso, tal como, de resto, acontece com uma máquina que se comporta sempre como previsto. A isto se chama determinismo. O determinismo é, então, uma consequência do mecanicismo moderno e teve inúmeros defensores, entre os quais se tornou famoso Laplace (1749-1827). Escreve ele:
Devemos considerar o estado presente do universo como um efeito do seu estado anterior e como causa daquele que se há-de seguir. Uma inteligência que pudesse compreender todas as forças que animam a natureza e a situação respectiva dos seres que a compõem ¾ uma inteligência suficientemente vasta para submeter todos esses dados a uma análise ¾ englobaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais pequeno átomo; para ela, nada seria incerto e o futuro, tal como o passado, seriam presente aos seus olhos.

LAPLACE, Ensaio Filosófico sobre as Probabilidades
Com efeito, a natureza ainda apresenta muitos mistérios, mas apenas porque não temos a capacidade de conhecer integralmente as circunstâncias que a cada momento se conjugam para o desencadear de todos os fenómenos observados. É, contudo, possível prever muitos deles.

Esta é uma perspectiva que, no fundo, acaba por desenvolver e sistematizar em termos teóricos a concepção mecanicista própria da ciência moderna. Concepção essa que, por sua vez, assenta numa determinada filosofia acerca da natureza do conhecimento: o realismo crítico. Realismo porque defende a existência de uma realidade objectiva exterior ao sujeito, e crítico porque nem tudo o que é percepcionado nos fenómenos naturais tem valor objectivo. É por isso que o cientista precisa de um método de investigação que lhe permita eliminar todos os aspectos subjectivos acerca dos fenómenos estudados e encontrar, por entre as aparências, as propriedades verdadeiramente objectivas. Tal método continua a ser o método experimental.

Os grandes princípios nos quais se apoiava a ciência pareciam, então, definitivamente assentes. As discussões sobre o estatuto ou os fundamentos do conhecimento científico consideravam-se arrumadas e a linguagem utilizada, a matemática, estava também ela assente em princípios sólidos. Restava prosseguir com cada vez mais descobertas, de modo a acrescentar ao que já se sabia novos conhecimentos.

Que a ciência desse respostas definitivas às nossas perguntas, de modo a ampliar cada vez mais o conhecimento humano, e que tal conhecimento pudesse ser aplicado na satisfação de necessidades concretas do homem, era o que cada vez mais pessoas esperavam. Assim, a ciência foi conquistando cada vez mais adeptos, tornando-se objecto de uma confiança ilimitada. Isto é, surge um verdadeiro culto da ciência, o cientismo. O cientismo é, pois, a ciência transformada em ideologia. Ele assenta, afinal, numa atitude dogmática perante a ciência, esperando que esta consiga responder a todas as perguntas e resolver todos os nossos problemas. Em grande medida, o cientismo resulta de uma compreensão errada da própria ciência. A ciência não é a caricatura que Comte apresentou e que o cientismo de alguma forma adoptou.

O sucessor moderno do mecanicismo, como vimos, é o fisicalismo. A ideia geral é a de que podemos reduzir todos os fenómenos a fenómenos físicos. Hoje em dia, uma parte substancial da investigação em filosofia e em algumas ciências, procura reduzir fenómenos que à primeira vista não parecem susceptíveis de serem reduzidos: é o caso, por exemplo, dos fenómenos mentais (de que se ocupa a filosofia da mente e as ciências cognitivas) e dos fenómenos semânticos (de que se ocupa a filosofia da linguagem e a linguística). Esta ideia não é nova; já Comte tinha apresentado uma classificação das ciências em que, de maneiras diferentes, todas as ciências acabavam por se reduzir à física. Até à mais recente das ciências, a sociologia, Comte dava o nome de física social. Havia, assim, a física celeste, a física terrestre, a física orgânica e a física social nas quais se incluíam as cinco grandes categorias de fenómenos, os fenómenos astronómicos, físicos, químicos, fisiológicos e sociais.
Assim, é preciso começar por considerar que os diferentes ramos dos nossos conhecimentos não puderam percorrer com igual velocidade as três grandes fases do seu desenvolvimento atrás referidas nem, portanto, chegar simultaneamente ao estado positivo. (...)

É impossível determinar com rigor a origem desta revolução (...). Contudo, dado que é conveniente fixar uma época para impedir a divagação de ideias, indicarei a do grande movimento imprimido há dois séculos ao espírito humano pela acção combinada dos preceitos de Bacon, das concepções de Descartes e das descobertas de Galileu, como o momento em que o espírito da filosofia positiva começou a pronunciar-se no mundo, em clara oposição aos espíritos teológico e metafísico. (...)

Eis então a grande mas evidentemente única lacuna que é preciso colmatar para se concluir a constituição da filosofia positiva. Agora que o espírito humano fundou a física celeste, a física terrestre — quer mecânica quer química —, a física orgânica — quer vegetal quer animal —, falta-lhe terminar o sistema das ciências de observação fundando a física social. (...)

Uma vez preenchida esta condição, encontrar-se-á finalmente fundado, no seu conjunto, o sistema filosófico dos modernos, pois todos os fenómenos observáveis integrarão uma das cinco grandes categorias desde então estabelecidas: fenómenos astronómicos, físicos, químicos, fisiológicos e sociais. Tornando-se homogéneas todas as nossas concepções fundamentais, a filosofia constituir-se-á definitivamente no estado positivo; não podendo nunca mudar de carácter, resta-lhe desenvolver-se indefinidamente através das aquisições sempre crescentes que inevitavelmente resultarão de novas observações ou de meditações mais profundas. (...)

Com efeito, completando enfim, com a fundação da física social, o sistema das ciências naturais, torna-se possível, e mesmo necessário, resumir os diversos conhecimentos adquiridos, então chegados a um estado fixo e homogéneo, para os coordenar, apresentando-os como outros tantos ramos de um único tronco, em vez de continuar a concebê-los apenas como outros tantos corpos isolados.»

Comte, Curso de Filosofia Positiva
Mas não é com classificações vagas que se conseguem realmente reduzir as ciências à física — esta é a forma errada de colocar o problema. Trata-se, antes, de mostrar que os fenómenos estudados pela química ou pela sociologia ou pela psicologia são, no fundo, fenómenos físicos. Mas isto é um projecto que, apesar de alimentar hoje em dia grande parte da investigação científica e filosófica, está longe de ter alcançado bons resultados. E alguns filósofos contemporâneos duvidam que tal reducionismo seja possível.

A distinção entre ciências da natureza e ciências sociais ou humanas tornou-se, progressivamente, mais importante. Apesar dos devaneios de Comte, não era fácil ver como se poderiam reduzir os fenómenos sociais, por exemplo, a fenómenos físicos. A reacção contrária a Comte resultou em doutrinas que traçam uma distinção entre os dois tipos de ciências, alegando que os fenómenos sociais não podem ser reduzidos a fenómenos físicos. Dilthey (1833-1911) dividia as ciências em ciências do homem, ou do espírito, entre as quais se encontravam a história, a psicologia, etc., e as ciências da natureza, como a física, a química, a biologia, etc. Aquelas tinham como finalidade compreender os fenómenos que lhes diziam respeito, enquanto que estas procuravam explicar os seus. Esta forma de encarar a diferença entre as ciências humanas e as ciências da natureza é de algum modo simplista. Mas os grandes filósofos das ciências sociais actuais, como Alan Ryan e outros, procuram ainda encontrar modelos de explicação satisfatórios para as ciências humanas. Apesar de admitirem que o tipo de explicação das ciências da natureza é diferente do tipo de explicação das ciências humanas, o verdadeiro problema é saber que tipo de explicação é a explicação fornecido pelas ciências humanas.

As ciências da natureza e as ciências formais do século XIX e XX conheceram desenvolvimentos sem precedentes. Mas porque o espírito científico é um espírito crítico e não dogmático, apesar do enorme desenvolvimento alcançado pela ciência no século XIX, os cientistas continuavam a procurar responder a mais e mais perguntas, perguntas cada vez mais gerais, fundamentais e exactas. E a resposta a essas perguntas conduziu a desenvolvimentos científicos que mostraram os limites de algumas leis e princípios antes tomados como verdadeiros. A geometria, durante séculos considerada uma ciência acabada e perfeita, foi revista. Apesar de a geometria euclidiana ser a geometria correcta para descrever o espaço não curvo, levantou-se a questão de saber se não poderíamos construir outras geometrias, que dessem conta das relações geométricas em espaços não curvos: nasciam as geometrias não euclidianas. A existência de geometrias não euclidianas conduz à questão de saber se o nosso universo será euclidiano ou não. E a teoria da relatividade mostra que o espaço é afinal curvo e não plano, como antes se pensava.

O desenvolvimento alucinante das ciências dos séculos XIX e XX, juntamente com o cientismo provinciano defendido por Comte, conduziu ao clima anti-científico que caracteriza algumas correntes da filosofia do final do século XX. Mas isso fica para depois.

http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/aires.htm